Para entender a respostas destes questionamentos, precisamos adentrar um pouco na história da formação econômica do Brasil. Irei me limitar a retroceder no tempo apenas até meados de 1890, onde a economia predominante no Brasil era a cafeeira. A economia cafeeira no Brasil se estabelece devido à desorganização da produção de café pela colônia francesa do Haiti, aumentando seu valor. O Brasil, desde o século XVIII, já possuía plantações para uso interno e, nos dois decênios que se seguiram, o produto passa a ter a importância de 40% da pauta exportadora do país. A etapa de gestação da economia cafeeira é também a de formação de uma nova classe empresarial brasileira. Com a transformação nos hábitos de consumo, principalmente na cidade do Rio, devido ao fato da chegada da corte portuguesa, o abastecimento do mercado por este produto passou a constituir a principal atividade econômica dos núcleos de população rural que se haviam localizado no sul da província de Minas como reflexo da expansão da mineração. O comércio de gêneros e de animais para o transporte desses constituía nessa parte do país a base de uma atividade econômica de certa importância, e deu origem à formação de um grupo de empresários comerciais locais. Muitos desses homens, que haviam acumulado algum capital no comércio e transporte de gêneros e de café, passaram a interessar-se pela produção deste, vindo a constituir a vanguarda da expansão cafeeira. Ao contrário dos empresários açucareiros, os empresários cafeeiros tinham interesses comerciais e produtivos entrelaçados. Viam no governo um forte instrumento de ação econômica. Participaram ativamente da política e a usaram para alcançar seus objetivos. A partir daí, o Estado sempre atuou no sentido de favorecer a exportação de café, até porque, o Estado era composto por estes mesmos exportadores. Várias políticas em benefício do café foram adotadas, como depreciação da moeda, por exemplo. A partir de 1893, há problemas com o mercado internacional de café, onde os preços começam a declinar. O governo, visando proteger o setor cafeeiro, firma o – Convênio de Taubaté – onde, financiado com empréstimos no exterior, compra o excedente de café sobre o pretexto de estar protegendo a economia nacional. A grosso modo, acomoda os cafeeiros, sem que estes procurem produzir o que realmente o mercado necessita, e financia o lucro privado com endividamento público que, obviamente, teria de ser pago pela população de diversas formas. Como os lucros permaneciam altos, indicava, falsamente, que havia demanda por café, e a produção aumentava, pressionando ainda mais os preços para baixo. A política de compra de excedente dura até a grave crise de 1929, dificultando a obtenção de crédito para manter o arranjo e a venda de parte dos estoques que se formavam. A solução, obviamente, seria abandonar as produções de café (aliás, já deveria ter sido feito há muito tempo), e iniciar o processo de industrialização. Mas o governo não iria desamparar os cafeicultores, claro. Este, mesmo com recursos captados no exterior muito mais caro, permanece financiando os estoques que se expandiam aceleradamente, estoques estes, agora, invendáveis. O governo, então, tem uma “brilhante” ideia: queimar todo o excedente de café para manter uma oferta menor e se elevar os preços. Resumidamente, o Estado brasileiro retardou um processo de industrialização inevitável para manter uma atividade falida. Este é um dos motivos pelos quais nossa cultura é de acomodação e passividade, ao invés de nos atualizar, nos aperfeiçoar sempre que algumas de nossas atividades não estão indo bem, aguardamos o Estado para que dê solução ao problema. No entanto, não levamos em consideração que a atuação do Estado em proteção aos empresários beneficia apenas as categorias escolhidas arbitrariamente pelo mesmo, como no caso, os cafeicultores, em detrimento de todo o resto. Tendo em vista a grave crise de 1929, o governo vê a necessidade (tardiamente) de tomar outros rumos, e assume, ainda mais, o papel de centralizador do desenvolvimento, agindo como padrasto em relação àqueles que, por si só, almejavam empreender por conta própria, mas para com aqueles que detinham de sua especial estima, agraciava-os com um aparato protecionista que inibia a concorrência e limitava os fatores de risco de mercado, através de barreiras alfandegárias, alvarás burocráticos de funcionamento, controle de fluxo de capitais e repatriações de lucro. Tal arranjo deu origem a um modelo empresarial adaptado a um capitalismo protegido, onde o empresariado brasileiro, desde suas raízes, sempre foram hostis a livre concorrência, e não poderiam ser diferente, pois não foram preparados para o tal. Este é um dos motivos para que, até hoje, os processos eleitoreiros sejam, por detrás dos bastidores, disputas entre ramos empresariais (uma vez que os candidatos são financiados por empresas), que veem nos mesmos a oportunidade de usufruir de aparatos protecionistas que irão garantir alta lucratividade. Uma vez inibido o processo de concorrência, toda a cadeia produtiva se torna mais cara e menos eficiente, os empresários se acomodam, não inovam e não aperfeiçoam o processo produtivo e, assim sendo, a produtividade não se eleva. Este fato explica parte de o porquê os custos trabalhistas serem tão altos, pois é uma forma de compensar o trabalhador pela estagnação de sua produtividade, através de elevação de renda por decreto. A proteção ao capital externo, juntamente com o fomento estatal ao consumo, ajudou no processo de escassez de capital que contribuiu para uma alta taxa de juros e uma extrema necessidade de controle inflacionário. Tal fato também nos explica, em parte, o motivo do alto endividamento brasileiro, uma vez que teve, no Estado, a tarefa de prover o desenvolvimento ao longo do tempo. O arranjo centralizador de desenvolvimento em mãos do Estado, além de gerar endividamento, também acarretou em uma estrutura produtiva cara, havendo a necessidade de subsídios, o que deu ao Estado o poder de determinar quais empresas seriam agraciadas. Os fatos mencionados nos ajudam a entender a formação cultural do empresariado e estrutura de mercado brasileiro. A herança do alto custo do modelo de desenvolvimento, que hoje direciona cerca de 44% do orçamento da união para rolagem de dívida, faz com que o Estado tenha de arrecadar um alto valor para honrar tal compromisso. Não obstante, os investimentos em infraestrutura, tal como educação – que qualificaria a mão de obra – e saúde – que força as empresas a arcarem com planos de saúde privados – fiquem comprometidos. Em suma, o Brasil, além da alta arrecadação e do custo que isso gera, é um dos países que menos retorna os valores arrecadados em benefícios, segundo a FIESP. Tal arranjo gera uma distorção ainda pior, torna nosso empresariado ineficiente. Se, para empreender, faz-se necessário ser agraciado por subsídio e protecionismo, quais os atributos são necessários para ser um empresário de sucesso no Brasil? Ter jogo de cintura, ter a malandragem de conhecer grandes da política, apoiar o político certo e se aproximar ao máximo do mesmo. Só assim o empresário ganhará subsídios, proteção e ainda, a depender do setor, proteção contra concorrentes. Não se faz necessário ser eficiente, alocar com a máxima eficiência recursos para oferecer produtos melhores a menor preço que seus concorrentes. E pior, a tendência é que esta estrutura não seja quebrada de forma natural. O motivo é simples: os empresários visam maximizar seus lucros, da mesma forma que os burocratas também gostariam, sempre que possível, de engordar suas contas no exterior. Qual a melhor forma de ambos alcançarem estes objetivos? Com a força generosa do poder Estatal, já que, em um mercado livre, só seria possível lucrar através da oferta de bens de forma eficiente, sendo o melhor em seu ramo de negócio. Obviamente, este arranjo favoreceria o consumidor que teria produtos de qualidade a preços baixos, e exigiria um esforço maior por parte dos empresários que teriam de estar sempre inovando e aperfeiçoando seus processos produtivos. Todo este histórico, no qual nos remete aos caminhos que nosso país tem optado para se desenvolver, modula também a cultura da população brasileira. Embora não nos atentamos a tal fato, o Estado é a entidade mais poderosa de uma sociedade, e tem o poder de alterar a formação cultural de um país. Não é a toa que alguns autores intitulam os Estadistas de engenheiros sociais. Desta forma nasce o tão famoso Jeitinho Brasileiro. Os brasileiros vivem fazendo malabarismos para resolver suas situações, tal como os empresários fazem para empreender. Os brasileiros, para resolver seus entraves, recorrem a amizades em setores estratégicos, uma vez que, devido a forma de gerenciamento do desenvolvimento empreendida pelo Estado, tudo no Brasil, para ser resolvido, é extremamente burocrático, da mesma forma é para os empresários, que para empreender, recorrem à troca de favores com governo, negociando subsídios e protecionismo. E por que o brasileiro é passivo, pouco questionador, pouco apegado às suas propriedades, sem dar muito valor tanto a elas quanto às suas empresas, e deixa para resolver seus problemas aos 45 minutos do segundo tempo? Estamos acostumados a ser acomodados, acostumados com um Estado paternalista que toma as iniciativas por nós, que conduz tanto a economia quanto o arranjo social. Somos passivos e aguardamos as últimas consequências para tomar iniciativa porque aguardamos o Estado para resolver o problema. Para entender ainda melhor a influência do Estado na cultura social, podemos citar, por exemplo, o exacerbado nacionalismo do Norte-Americano. São assim por ter, ao longo de sua história, liberdade de empreender, com ausência de barreiras, que cria um cenário igual para todos os players. Assim sendo, competirão entre si e se sobressairá o mais eficiente. A meritocracia, assim sendo, é a recompensa em si e, por ter obtido sucesso com muita luta, o Norte-Americano toma paixão pela terra que o agraciou depois de tanto esforço. Esse é um dos fortes motivos para serem extremamente nacionalistas, entre outros, além de explicar o porquê de as empresas Norte-Americanas serem mais eficientes. Tendo atestado a realidade, a mudança de rumo não poderia acontecer de uma hora para outra. Consigo enxergar dois caminhos distintos: O primeiro seria persistir na tentativa de eleger políticos honestos que, mesmo tento o amplo aparato estatal agindo em benefício de engordar sua conta, não o faça, e quebre tal estrutura em prol da população (que não questiona, naturalmente, este arranjo). Não é preciso raciocinar muito para constatar que este fato seja pouco provável de acontecer, já que, como dissertado, é benéfico para aqueles que se localizam no topo da cadeia econômica brasileira, ao mesmo passo que os brasileiros, de forma geral, se acostumaram com a engenharia social empreendida pelo Estado. O segundo seria lutar por mais liberdade, por igualdade de condições para competir e aceitar que temos responsabilidades individuais que não devem ser atribuídas ao Estado, ao mesmo passo que devemos cobrar de ter condições para assumir tais responsabilidades (não sendo “sugados” pela inchada máquina pública brasileira). Esta opção, por se tratar de mudança cultural, certamente levará tempo, mas com certeza deve ser o caminho que devemos perseguir.