– A formatura será sábado! Primeiro de abril, às dez da manhã, hein! Não é mentira, não. Espero contar com você. Olha, Sara, não esquece de levar o marido também!- esse foi o convite caloroso e um tanto quanto intimador daquela melhor amiga de tantos anos. Fazia questão de a amiga estar presente, já que a mesma tivera sido professora de sua filha da terceira série do primário. Sara era uma mulher que – por onde quer que fosse – deixava sua marca registrada. Era sem dúvida, muito atraente! Seus óculos escuros chamavam a atenção de todos, porém não eram apenas seus óculos que a faziam atraente. A mulher possuía uma formosura tamanha que qualquer um que a visse a admirava. As mulheres olhavam-na com certa inveja; os homens, eram atraídos sexualmente. Além desse forte magnetismo, havia o lado intelectual. Para qualquer área profissional que seguisse, todos sabiam que se daria muito bem. Certamente, não faltaria àquele compromisso. Ela sabia que havia várias razões pelas quais devesse cumpri-lo. A primeira, talvez a maior de todas, seria o forte laço de amizade que existia entre elas. Era uma amizade sólida e pura que fora construída há muitos anos e a distância que as separava nunca foi impedimento de se verem quando desejassem. Sempre estavam juntas em um passeio qualquer, ora à praia, ao campo; ora a uma simples troca de conversa 'fiada', a fim de pôr em dia os acontecimentos que iam desde as novidades de amigos e parentes, até mesmo às disputas eleitoreiras entre os articuladores do Poder. Sara aguardava ansiosa a chegada daquele dia. Mal tinha dormido a noite que antecedia a formatura. Na cama, recostada, lembrava-se de cenas longínquas. Vinha-lhe à mente confusão de lembranças… A formatura da caçula Serena, carinhosa e familiarmente conhecida como Nininha, estava acontecendo, quase todos foram pontuais, chegando no mesmo horário. Enquanto um manobrava o carro daqui e outro dali no estacionamento do chamado 'Moinho', todos iam se ajeitando da melhor forma naquele espaço de grande porte. Lugar este que fora escolhido pelos organizadores do evento porque estava condizente, à altura dos formandos. Pois, ali havia sido, séculos atrás, talvez dezoito, um rico engenho de moinho de trigo onde a arquitetura ainda era enaltecida com sua grande suntuosidade e formosura. Como fora projetado pelos dominadores, exploradores estrangeiros do então território, era um lugar digno dos reis, dos 'coronéis', por que não dizer … de homens que não se importavam e que nada queriam saber da realidade social e econômica dos nativos desse território chamado Brasil ?! Pois, os colonizados, os chamados menos privilegiados – o que é a maioria – injustamente ficarão apenas, quando muito, com o sofrido pão amassado. São pessoas subjugadas e tratadas desde a colonização como animais irracionais, assim como cães. Tolamente os donos do país, os colonizadores, pensam que os mesmos pertencem à camada inferior e que não são capazes de absolutamente nada. Porém, esquecem ou fingem não saber que não lhes fora oferecida a mesma oportunidade. É fato que, basta lhes dar a oportunidade devida, a qual lhes é de direito, para saber que são tão bons ou até melhores do que muitos deles. Ao entrar pelas duas grandes aberturas que insinuavam ser portas, com várias tiras brancas, finas, suspensas do teto ao chão, com a intenção de enaltecer o rústico, todos foram se acomodando nas cadeiras revestidas por um pano branco, parecendo uma espécie de capa. A cerimônia não fugiu aos padrões, parecia existir um pacto fixado de se fazer formatura entre os organizadores. Pois, a pauta se restringia especificamente a homenagens aos professores e agradecimentos pela participação dos convidados e dos pais. Além disso, houve músicas ao vivo, muitas fotos, filmagens e, claro, muito discurso. Num desses discursos de agradecimento dos paraninfos, um deles chamou mais a atenção de Sara. Foi o daquele professor homenageado que – apesar de parecer querer se desculpar pela falta de modéstia – procurou uma forma de encaixar em suas falas, o tênue e contraditório manifesto de incutir em todos a infeliz e errônea idéia de que a melhor de todas as profissões seria exatamente aquela, ou seja, a de Arquitetura. Para a mulher, esperta que era, que não perdia uma só fala dos discursos, aquilo lhe veio como um contra-senso dos piores. Pois, ele, na posição de professor – pensava a mulher – deveria saber que para ser um arquiteto ou ter qualquer outra profissão, precisaria, antes, passar obrigatoriamente pelas mãos de um profissional em educação como ele assim o era, ou que pelo menos, demonstrava ser. Deveria saber, ainda, que um país desenvolvido e bem estruturado nas esferas socioeconômica e educacional somente é alcançado mediante o sério compromisso dos políticos investir recursos na Educação, a fim de se construir cidadão com formação adequada. Pobre professor! Esqueceu-se que o 'canto' é a melhor dentre todas elas. Schopenhauer tinha razão em defender as artes e colocar em primeiro escalão, entre todas, a música. O cantor leva o lazer, o sonho às grandes platéias, além de se divertir com aquilo que está fazendo. E, ainda assim, é altamente reconhecido financeiramente por seu trabalho, sem se esquecer de que ele foi educado por um professor. Infeliz professor! Mal sabia que ele viraria assunto novo e pejorativo para as duas inseparáveis amigas pelo resto do ano … As duas amigas estavam a conversar sobre o já enfadonho episódio ocorrido em abril na formatura. Estavam em um ambiente abundante de alegria, com pequenas árvores de pinho enfeitadas com bolas que imitavam vidros. Eram bolas vermelhas, amarelas e brancas penduradas em suas hastes; presentes espalhados em sua volta; cartões de natal de todos os tamanhos e tipos, quando, de repente, Sara não vê mais nada a sua frente, exceto o seu marido ao seu lado, chamando-a, sacudindo seus ombros. Lentamente, vai abrindo seus olhos e começa a perceber o que e quem está em sua volta. Pergunta ao marido que horas são e imediatamente partem para a formatura. (agradeço a minha esposa Séia Ferreira pela colaboração na revisão) Berenaldo Ferreira 02/01/2006