A capacidade de gerir é inata do ser humano. Em qualquer área do conhecimento ou até mesmo na vida pessoal podemos observar características de ações gerenciais. Voltemos no tempo até as eras mais remotas da existência humana e poderemos visualizar nossos ancestrais praticando seus conhecimentos – com certeza intuitivos – para gerenciar seu alimento, o espaço físico contra as ameaças e intempéries, dentre tantos outros exemplos que poderíamos explicitar, inerentes ao nosso dia-a-dia. Nos tempos modernos, onde após a Revolução Industrial houve um recrudescimento das relações comerciais, as técnicas gerenciais ainda não eram aplicadas de forma científica; apenas após o início do século XX instala-se nas empresas o conceito introduzido por Taylor de administração científica, o que em homenagem a ele conhecemos por taylorismo. Era o fim do empirismo e a necessidade de se estudar a fundo características de mercado e de pessoas para poder sobreviver em um mundo que começara a se tornar deveras competitivo. Com o advento da globalização, onde as distâncias entre os mercados diminuem e a concorrência torna-se a cada dia mais acirrada, faz-se necessário aprofundar-se cada vez mais no assunto. A partir do século passado, o esporte passou a ser explorado em forma de espetáculo e assistimos hoje a grandes evento que movem milhões em dinheiro em um curto espaço de tempo. Apesar disso, será que toda a gestão de organizações esportivas – sejam elas públicas ou privadas – é realizada de acordo com os mais modernos preceitos de gestão e dentro dos mais elevados padrões de ética? E com relação à sustentabilidade? Será que essas mesmas organizações se desenvolvem de maneira a deixarem um legado administrativo para novos gestores? Ou seus resultados são mascarados ao longo do tempo encobrindo falcatruas que podem leva-las à bancarrota? Analisemos, pois, alguns pontos pertinentes e concluamos onde se pretende chegar dentro da administração esportiva. Histórico O esporte acompanha a história da humanidade como um elemento intrínseco à condição humana. Sendo assim, podemos dividir o esporte, basicamente, em três momentos: o Esporte Antigo, marcado pelas Olimpíadas da Grécia Antiga; o Esporte Moderno, marcado pela entrada da administração pública na gestão esportiva e o Esporte Contemporâneo, que é o que vivenciamos em nossos tempos e que contempla o direito ao esporte, bem ilustrado nas três dimensões elencadas pelo Professor Manoel Tubino: esporte-educação, tal qual é praticado nas escolas; esporte-lazer, aquele que é praticado sem comprometimento com resultados e em forma de socialização e o esporte-rendimento que, como o próprio nome diz, visa ao atingimento de marcas cada vez mais acima da suposta capacidade humana. Gestão esportiva Com o advento da era industrial, diversos clube s e associações esportivas foram criados e logo passa-se a explorar comercialmente eventos esportivos. As práticas esportivas voltadas ao rendimento e à competição expandiram-se da Inglaterra para todo o continente europeu e transformaram-se no conteúdo hegemônico em nível mundial durante o século XX. Surge, também, a tentativa de se resgatar os idéias olímpicos da antiguidade – o ideais humanistas do Barão de Coubertin eram refletidos na competição leal e sadia, no culto (saudável) ao corpo e na atividade física, que serviram de base ao Olimpismo. A organização dos Jogos Olímpicos exigiu a criação de um comitê com representantes de várias nacionalidades que pudessem decidir as modalidades e as regras que norteiam os jogos, o que gerou a criação do Comitê Olímpico Internacional (COI) presente até hoje nas decisões importantes sobre os rumos do esporte competitivo. Na sociedade contemporânea, podemos observar, claramente, a partir de uma análise das três dimensões do esporte como é conduzido o modelo de gestão esportiva no Brasil: enquanto a administração pública conduz políticas de incentivo ‘prática esportiva, tanto nas dimensões “educação” e “lazer”, a dimensão “rendimento” fica relegada e é absorvida pela administração privada. Apenas recentemente tem sido dada mais ênfase a essa dimensão que vem a ser o topo do desenvolvimento esportivo de uma nação. Uma visão mais profunda permite-nos relacionar as três dimensões do esporte dentro de uma ordem cronológica e estratégica de forma a alcançar o limite da capacidade do esportista: permita-se às crianças a maior quanitdade possível de vivências motoras – tanto na escola, quanto no lazer – e será mais fácil leva-las ao topo de seu desempenho – eis aí o verdadeiro esporte-rendimento. Entretanto, permitir vivências motoras é mais do que estimular um simples jogo de futebol ou construir espaços públicos de lazer: é, sobretudo, capacitar profissionais habilitados tecnicamente para a condução do ciclo educação-lazer-rendimento. Além disso, é imprescindível o desenvolvimento de um planejamento estratégico que contemple verdadeiras políticas de apoio ao esporte, que possam se perpetuar por diversas administrações e conduzir a nação ao Olimpo das potências esportivas, não apenas em um pequeno lapso de tempo, caracterizando, assim um desenvolvimento sustentável das práticas esportivas. Vejamos o exemplo de algumas potências esportivas: Por uma ótica capitalista, se analisamos o modelo americano verificamos uma política totalmente voltada para o lucro, administrada pela iniciativa privada e onde o poder público funciona apenas como entidade reguladora e fomentadora das práticas esportivas em nível educacional e amador, promovendo e apoiando ligações entre cultura, educação e esporte. Por uma ótica socialista, o esporte é visto como uma importante fonte geradora de empregos. Programas e projetos são elaborados e financiamentos são propostos de forma centralizada no âmbito nacional. Recentemente, apenas, passaram a ser aceitos recursos privados para a manutenção da estrutura. O pleno controle do esporte pelo poder público permite uma fiscalização do cumprimento das funções do esporte a saber: treinamento militar, integração política, reconhecimento diplomático por outras nações, propaganda, obtenções de prestígio e fomento de cooperações internacionais. Porém, uma outra função do esporte é o fortalecimento dos sistemas de saúde e de educação. Vemos, portanto, dois modelos distintos de administração esportiva, mas ambos ligados à educação. Não há esporte-rendimento sem esporte-educação. No Brasil, a base do esporte-rendimento tem sido os clubes esportivos, Assim, o afunilamento das opções de atletas é proeminente em nossa cultura, uma vez que nem todos têm acesso a esses locais de prática esportiva. Na maior parte dos casos, porém, os investimentos públicos e de patrocinadores se deram nas seleções das modalidades mais populares. Os investimentos do dia-a-dia dos esportes amadores ficam reservados aos clubes, sofrendo, portanto, com os problemas financeiros pelos quais passam as grandes agremiações nacionais. Note-se que o clube se auto sustenta, no que tange às suas instalações, graças a seus sócios, e as “escolinhas esportivas” se auto sustentam com o pagamento das mensalidades, mas os esportes amadores são altamente deficitários e muitas vezes, portanto, abandonados pelo clube. Assim, equipes das mais diversas modalidades são formadas apenas quando há verba em caixa. Salários sofrem atrasos, faltam estrutura e cultura esportiva. Patrocínios são raros visto que o esporte amador carece comumente de visibilidade. Na inexistência de uma formação de base e de equipes consistentes, os atletas que servem às seleções brasileiras não raro atuam no exterior ou desdobram-se entre treinos e profissões diversas. Crise no desporto? Do ponto de vista gerencial, no que respeita ao capital humano, o desporto encontra-se, sim, em crise: o esporte-educação não consegue reter os alunos nas aulas de Educação Física e os profissionais que atuam nessa área trabalham cada vez mais desmotivados por falta de políticas de desenvolvimento da Educação Física escolar. O esporte-lazer, com suas “políticas” de aparelhamento de áreas públicas, estimula a prática pela prática (exatamente a essência dessa dimensão), porém com ênfase no aparato e não em seus praticantes. O esporte-rendimento, por não ter a base sólida (educação/lazer) para a formação de atletas de ponta, por vezes se vê “obrigado” a forja-los para se chegar a um nível competitivo. Quando não houver mais equipamentos para a prática de atividades física, ainda haverá um profissional de Educação Física orientando essa prática. Daí a necessidade da ênfase no capital humano para o bom desenvolvimento da tríade educação-lazer-rendimento. Faz-se necessário passar de uma gestão baseada no simples “fazer” para o “saber fazer”; isso, porém, demanda capacitação humana, planejamento de longo prazo e investimento. Ingerência política A história da ação do poder público em relação ao esporte no Brasil começou muito antes da criação do Ministério do Esporte em 1995. A partir de 1939, com a criação da primeira legislação esportiva e do Conselho Nacional de Desportos (CND), o poder público passou a ter poderes de intervenção nas organizações esportivas. Vivia-se um momento político delicado e a máquina pública, tanto aqui quanto em outros países, utilizava-se do esporte como propaganda política. Estádios já foram utilizados para discursos políticos, o patriotismo insuflado após vitórias em coinpetições internacioanis já foi arma contra distúrbios políticos internos. Mesmo no auge da democracia brasileira vemos políticos recebendo delegações esportivas e mais uma vez o esporte é utilizado como propaganda política. Além disso, a cultura do esporte-educação refletida nos longos anos de subserviência do esporte ao Ministério da Educação, ainda refletirá, durante algum tempo, no desenvolvimento de novos atletas de ponta. Seja sob a égide do Ministério do Esporte ou do Ministério da Educação, como o fora até 1995, o esporte ainda será, por muito tempo, utilizado politicamente por nossos governantes, uma vez que a projeção internacional de nossos atletas garantem também, novas alianças e novos rumos a nossa política. Gestão ética Do ponto de vista ético, também existem alguns pontos a se considerar. Na era do Esporte Moderno, em vez de se resgatar os ideais preconizados pelo Barão de Coubertain, parece que o olimpismo perdeu sua ética: – ser uma religião: traduzido pelo ideal da busca de uma vida superior, parece ter se tornado um grande negócio, e hoje traduz-se na busca de recordes cada vez mais utópicos. – representar uma elite: não há dúvida que os atletas fazem parte de uma elite, pois poucos conseguem alcançar tão alto nível de desenvolvimento esportivo; a moral e o fair-play, também ressaltados por Coubertain, porém, ficaram para trás, pois muitas vezes assistimos atos de extrema violência e atletas dopados ocupando seu lugar no pódio. – criar o maior festival de verão da história do homem: pelo menos nesse ponto, parece que o ideal já foi há muito tempo alcançado. – glorificar a beleza de movimento: a glória e a beleza a serviço dos patrocinadores. Para formar atletas de ponta, muitas vezes se recorre a recursos muitas vezes ilegais e que podem manchar uma carreira de longos anos; para além do ponto de vista ético, há que se considerar o ponto de vista da saúde do atleta, que fica fragilizada pelo uso sucessivo de substâncias nocivas a seu corpo em troca de ínfimos incrementos na performance esportiva e conferindo-lhe uma vida profissional útil bastante curta e sem perspectivas de futuro ao abandonar a carreira. E nós, expectadores de um espetáculo que deveria ser belo e puro em sua essência, assistimos a tudo de forma passiva. Ética e tolerância podem caminhar juntas, desde que se entenda a origem do problema e tente-se reverter a situação. Ética e conivência, ausência ou discriminação devem ser abolidas da conduta de profissionais ligados à gestão esportiva. Há que se chegar ao cerne do problema e entender que esses comportamentos desviantes têm origem multicausal. Um outro ponto a se considerar são os sucessivos casos de corrupção que de forma tão contundente vêm a público revelar as falcatruas praticadas em administrações de grandes organizações esportivas. Caso a busca de novos ideais esportivos sejam galgadas apenas para satisfazer a ânsia dos investidores ou para o êxito financeiro, teremos como conseqüência cada vez mais estratégias negativas no desenvolvimento do esporte brasileiro, sejam em termos de dopping, lobby político em candidaturas a eventos internacionais ou a vontade de atingir, a qualquer custo, o retorno financeiro esperado, ignorando-se os mais altos valores éticos do esporte. O esporte tem muitos pontos de contato com a vida humana. Ele está vinculado ao código moral e aos valores de uma sociedade e têm que ser levados em conta no planejamento da gestão esportiva. Conclusão É certo que a Constituição de 1988 consolidou a prática esportiva como uma das prioridades estatais em nosso país. Louvável a atitude de nossos legisladores, mas ainda há um longo caminho a percorrer de forma que se profissionalize, de vez, a gestão do esporte no Brasil. A cultura do “fazer” pelo “saber fazer”, supõe a capacitação do material humano para gerir recursos e estratégias de desenvolvimento sustentável do esporte brasileiro. O exemplo de outras potências esportivas pode e deve ser utilizado como modelo de desenvolvimento de uma cultura esportiva que progrida com o próprio desenvolvimento do ser humano. A profissionalização da gestão esportiva, dentro dos mais modernos conhecimentos técnico-científicos de práticas administrativas, aliada à manutenção dos mais ilibados valores éticos inerentes ao próprio ser humano, permitirão, em um futuro muito próximo, a elevação definitiva do Brasil à condição de potência mundial do esporte.