Do Iese Insight, especial para o Administradores.com Artigo escrito em parceria com *Anabella Dávila Os latino-americanos tendem a obter notas mais altas do que norte-americanos e europeus quando se trata de autoridade pessoal e de dimensões e valores culturais relacionados ao grupo e à coletividade. Esta tendência cultural deu origem a um estilo de liderança “paternalista”, no qual as relações pessoais e sociais são muito importantes no trabalho e na liderança efetiva dos trabalhadores. Em nosso trabalho “Humanistic Leadership: Lessons From Latin America”, publicado no Journal of World Business, tentamos passar em revista os fatores psicológicos, sociológicos e históricos por trás deste estilo de liderança. Como parte deste trabalho, apresentamos estruturas teóricas alternativas que oferecem formas frutíferas para efetuar mais pesquisas nesta área. Modelo paternalista Sob uma perspectiva histórica, as raízes desse estilo de liderança podem ser traçadas até as antigas haciendas – propriedades agrícolas privadas – nas quais o patrón – o proprietário ou administrador – além de pagar salários, cuidava dos interesses dos empregados, fornecendo moradia e alimentação para eles e para suas famílias. A comunidade que vivia na hacienda desenvolvia fortes laços familiares, que se cristalizaram em estruturas sociais específicas como o jeitinho no Brasil ou o compradazgo no Chile e no México. O jeitinho se refere a um traço cultural brasileiro usado como estratégia de adaptação para a solução de problemas. Ele facilita as ações por meio de mecanismos emocionais e evita confrontos. De forma semelhante, o compradazgo é um relacionamento social que tem como base os contatos informais didáticos entre parentes ou amigos, identificados no interior da classe média urbana do Chile. Os dois tipos de relacionamento repousam em uma troca contínua de favores, fundamentada primariamente nas relações de amizade, e funcionam bem sob um estilo de liderança paternalista, pois incluem as ligações emocionais exigidas por quem faz parte do grupo. Depois das guerras de independência do século 19, os mercados de trabalho funcionavam sob um sistema de “peonagem por dívida”. Isso significava que os trabalhadores eram destinados ao dono de uma hacienda por um período indeterminado e que parte dos salários era retida para o pagamento da moradia e de outras necessidades. Às vezes, os trabalhadores recebiam tão pouco que eram obrigados a assumir dívidas com os proprietários, os quais, por sua vez, tentavam fazer com que os trabalhadores não tivessem condições de pagar os empréstimos e assim permanecessem na hacienda. Reciprocidade As haciendas ofereciam a seus residentes moradia, assistência médica e, em alguns casos, escola para as crianças. Apesar de o ambiente de trabalho ser muitas vezes coercitivo e favorável aos interesses do proprietário, os trabalhadores ainda eram livres para fazer algumas escolhas e os donos tinham que oferecer incentivos, que incluíam salários e outros pagamentos adicionais. Este sistema gerava um relacionamento recíproco que se desenvolveu até chegar a responsabilidades e lealdades mútuas. Tanto o dono como os empregados tinham obrigações sociais, como incentivos para o desempenho no trabalho, proteção em épocas ruins e participação em eventos familiares. Assumindo a perspectiva de um participante sobre a administração, nos baseamos em pesquisas anteriores para identificar três características essenciais deste tipo de liderança único da América Latina. Elas são: Investimento nos funcionários, incluindo salários, benefícios, ensino, treinamento e desenvolvimento;Esforços cooperativos nas relações trabalhistas;Práticas de responsabilidade social corporativa centralizadas na comunidade. Os direitos dos trabalhadores, em termos gerais, não dispõem da proteção de instituições trabalhistas, mas derivam de contatos psicológicos com os empregadores, que além de prover seus funcionários com salários e benefícios, também lhes oferecem treinamento extensivo em longo prazo. Novo humanismo Nós acreditamos que este tipo de abordagem pode ser a tônica de um novo tipo de liderança humanística. Pesquisas anteriores sugerem que as práticas de gerenciamento da América Latina colocam o indivíduo no centro da organização e da sociedade. Este tipo de abordagem significaria uma ruptura radical com o ponto de vista econômico atual da liderança, que coloca os líderes na condução de negociações constantes para esclarecer metas e consequências com seus subordinados, que tendem a ser vistos como meros recursos em vez de seres humanos e indivíduos. O valor atribuído ao desenvolvimento comunitário na América Latina desafia cada vez mais as organizações a integrar seus objetivos nos negócios com aqueles mais amplos das comunidades, por meio dos programas de responsabilidade social corporativa. A combinação de um estilo de liderança paternalista com a abordagem com foco na comunidade ajuda a estimular os arranjos institucionais que legitimizam os contratos sociais entre indivíduos e organizações. Estudos de casos demonstraram que a eficiência das lideranças na região é ainda mais estimulada quando os dirigentes desenvolvem relacionamentos horizontais com os empregados, em contraste com um relacionamento vertical de subordinação. Os líderes precisam reconhecer o papel de cada indivíduo dentro do grupo de trabalho e o da organização dentro da comunidade e da sociedade em termos mais amplos. Este estilo de liderança exige uma preocupação genuína com os trabalhadores, inclusive em áreas como qualidade de vida, família e bem-estar da comunidade – vendo, com efeito, os empregados como participantes integrais do processo de administração. Quando isso ocorre, os trabalhadores geralmente correspondem com altos níveis de produtividade e de comprometimento com a organização. Diversidade A diversidade está profundamente embebida na América Latina, onde os primeiros colonizadores encontraram uma área bem diversificada, tanto em termos geográficos como étnicos. Entretanto, o modelo de colonização que eles colocaram em prática favoreceu uma pequena minoria de elites, levando a uma desigualdade social e econômica persuasiva que perdura até hoje. Os líderes regionais reconhecem as características distintivas de uma força de trabalho diversificada e como isso pode resultar em aspirações e exigências amplamente diversas. Enquanto as forças e pressões da economia cobram sua parte, as empresas precisam ter em mente as normas sociais e culturais únicas das regiões nas quais operam. Por exemplo, recentes mudanças na sociedade do México – especialmente nos termos de sua crescente internacionalização e da evolução do ensino e do treinamento baseado na tecnologia – estão exigindo novas competências no trabalho, que, por sua vez, podem permitir que os mexicanos exerçam um controle maior sobre suas vidas. Tendências semelhantes foram identificadas no Chile. Quanto mais escolaridade têm os chilenos, maior sua independência e autoconfiança e mais forte é o foco que eles provavelmente vão colocar em sua produtividade e desempenho no trabalho. Para entender a dimensão humana e os papéis individuais no contexto dos estudos sobre a liderança na América Latina, propomos abordagens disciplinares que vão além de limitadas teorias transculturais dos negócios. Para os dirigentes, esta síntese do paternalismo como estilo de liderança na América Latina destaca o valor do desenvolvimento de laços pessoais e sociais com os funcionários. Entretanto, é preciso lembrar que estes laços surgiram de relacionamentos no interior de contextos culturais únicos. Por exemplo, muitos valores tradicionais que perderam terreno em outras partes do mundo, como hierarquia e paternalismo, continuam a ter uma grande influência nas organizações latino-americanas. No fim, para que as lideranças sejam efetivas, é necessário respeitar estas normas culturais. *Anabella Dávila – é professora titular de Teoria da Organização e Gestão de Recursos Humanos, além de pesquisadora e diretora do programa de Ph. D. da EGADE Business School, Tecnológico de Monterrey.