As sucessivas transformações e crises no mundo capitalista trouxeram profundas repercussões no ambiente de trabalho. Com o anseio de sucesso empresarial as organizações formularam diversas maneiras de criação, inovação e produção de produtos e serviços, assim como novas estruturas de sobrevivência daqueles que compõem esse processo no ambiente de trabalho. Tal sobrevivência pode acarretar a “morte” da singularidade do profissional, pois submete-se a fusão dos objetivos pessoais com a vida econômica da empresa. No âmbito organizacional globalizado os objetivos pessoais e empresariais se confundem, induzindo o trabalhador a crer na perda dos limites entre a fronteira do capital e o trabalho. Assim, o individualismo competitivo desgasta o caráter e revela o perfil violento no trabalho. Dessa forma, as relações humanas baseadas no trabalho registram desde os tempos primórdios a exploração do homem pelo seu semelhante. Em momentos sequentes da história, encontra-se registros de atividades profissionais que visavam alcançar objetivos, potencializar lucros e gerar rentabilidade, em detrimento do bem-estar do trabalhador. Com a evolução das condições trabalhistas, surgiram novas formas de dominação e os mecanismos de exploração tornaram-se crescente, dando perenidade à antiga rotina do explorador e do explorado, características evidente de sociedades desiguais. Nesse contexto, surge um fenômeno que tornou-se fruto de pesquisa em todo mundo, sendo ainda, tema vasto para estudo de diversos profissionais, tais como médicos, acadêmicos, advogados, psicólogos, entre outros. Um conjunto de fatores contribui para a proliferação dessa ação maléfica nos ambientes laborais, vale citar a globalização econômica, a competição acirrada e a banalização da mão-de-obra. Sendo assim, quando inserido em um ambiente organizacional o assédio influencia de maneira negativa a produtividade, a assiduidade e a motivação laboral do profissional. A ação sutil e sorrateiramente dificulta a identificação, dada à subjetividade que envolve o tema em questão, isso porque a agressão é isolada e contraditória. No âmbito sociocultural a permissividade acolheu a perversão, e sem questionamento prévio ignorou o massacre da individualidade e a personalidade daqueles que convivem com a pressão do assédio moral frequentemente. O trabalho humano, continuamente, foi desapreciado em várias etapas da história. No Brasil, de acordo com Ferreira (2004, p. 27), “deste o descobrimento em 1500, até a abolição em 1888, o regime de trabalho adotado foi basicamente o de escravos”. Sendo assim, a herança de maus tratos no ambiente de trabalho veio do período escravocrata, no qual os índios e negros eram vistos como bens e objetos e não como seres humanos. Nessa sociedade que se formava, os valores culturais e sociais enalteciam a “soberania” dos brancos sobre negros. Sua convivência diária favorecia o intercâmbio de culturas e gerava sadismos e vícios, que influenciavam a formação do caráter do brasileiro. Como leciona Barreto (2007, p.01), “o Século XX foi palco de avanços extraordinários em todos os campos do conhecimento humano; foi também o cenário das maiores guerras produzidas pela humanidade”. Dado o exposto, a competição generalizada no mundo capitalista provocou ao longo da história humana a luta por destaque, principalmente na disputa por um modelo econômico de produção para a sociedade. Como plano de fundo dessa batalha o mundo empresarial conheceu novas formas de violência, sendo ela mais sofisticada que ultrapassam a fronteira do que é considerável aceitável. Diante desse novo contexto estudos elaborados sobre as relações humanas surgiram com relevância, a fim de minimizar os impactos causados por distúrbios que inferiorizem a convivência humana no ambiente de trabalho. Para Hirigoyen (2002, p. 64): Toda conduta abusiva como gestos, palavras, comportamentos, atitudes, entre outros, ameaça ou degrada o clima de trabalho por sua repetição ou sistematização, indo de encontro à dignidade e integridade psíquica ou física da pessoa. Conforme destaca a autora, o desgaste no ambiente organizacional interfere na atuação do grupo como um todo, gerando intrigas, pois, pode ocorrer o comprometimento da veracidade dos fatos devido à subjetividade de interpretação dos demais pertencentes ao grupo. Vale ressaltar, que a subjetividade é uma característica crítica de reconhecimento do assédio dentro de um ambiente de trabalho, pois confronta duas verdades, a do assediador e a do assediado. Isso ocorre devido à observação ou participação dos integrantes em de um grupo nos processos simultâneos de agressão, sendo eles submetidos a julgamentos baseados em conceitos de ética e valores individuais. Segundo Barreto (2003, p.86), “a globalização e a flexibilização das relações trabalhistas intensificaram a banalização do problema.” Cabe considerar que a reestruturação empresarial ou a globalização por si só não alavanca o Assédio Moral, porém a gestão organizacional tem um peso maior para que a violência não se propague em seu ambiente. Nessa linha de raciocínio Hirigoyen (2005, p. 101), declara que “as empresas são complacentes em relação aos abusos de certos indivíduos desde que isso possa gerar lucros e não dar motivos a um excesso de revoltas”. A autora aduz que o ambiente de trabalho pode ser cenário de ações maléficas e prejudiciais ao desempenho profissional, sendo assim responsável por medidas coibentes e punitivas propostas primeiramente por sua gestão empresarial e seguidamente por punições de órgãos que regulamente as ações civis. O Assédio Moral é tão antigo quanto o trabalho, durante toda trajetória da humanidade há relatos de agressões físicas e psíquicas, tratos nocivos, condições desumanas e sistemas de poder desenfreado. As indisposições e ideologias que buscam a criação de leis trabalhistas e sindicatos foram formas que os trabalhadores encontraram para se defenderem ou amenizarem tais abusos. Salvador (2002, p. 08), pondera que: A vítima assediada geralmente é escolhida por possuir características que incomodam os interesses do agressor por suas habilidades, destreza, conhecimento, desempenho e exemplo, ou simplesmente, por desajustamento sexual ou psíquico por parte do assediador. Compreende – se através dessa afirmação, que o novo perfil exigido do trabalhador favorece o desenvolvimento de situações de Assédio Moral, pois de um lado estabelece-se que este deve ser competitivo, capaz, qualificado, criativo e polivalente. De outro lado, esse novo trabalhador sabe que não estar “apto” a essa nova realidade pode significar a perda do emprego. As ações do Assédio Moral não são explícitas, manifesta-se de forma tácita, através de gestos sutis e palavras dúbias, mecanismos estes que dificultam a identificação do fenômeno pela subjetividade dos fatos que envolvem os protagonistas e os que possivelmente as testemunham. O assédio se estrutura na inexistência de fatos concretos para a sua identificação e diagnóstico. A falta de informações reais é essencial para reduzir a vítima à impotência. A não verbalização da agressão torna-se fator de grande angústia para a vítima, uma vez que a própria passa a questionar as ações sofridas e por muitas vezes acreditam que as atitudes perversas são fruto de sua imaginação, já que são percebidas somente por eles. Tal situação é conceituada por Hirigoyen (2007), como a comunicação perversa. Uma vez, que a recusa de comunicação direta é adotada pelo agressor, assim, nenhuma ação é nomeada, tudo passa a ser subentendido. Assim, nota-se que gestos e expressões, como suspiros, ombros erguidos, olhares, entre outros são atitudes desestabilizastes para o vitimado que fica impossibilitado de encontrar explicações claras e mantêm-se em pensamentos confusos á respeito dos fatos que lhe envolvem. Acredita-se, que atualmente, o Assédio Moral é considerado como um dos problemas mais sérios nas relações de trabalho, decorrentes, entre outros fatores, da realidade do mundo globalizado, onde está presente a exacerbada preocupação com a produção, com as concorrências entre empresas, à manutenção e ampliação de mercados explorados pelas empresas, exigindo uma competição agressiva entre trabalhadores e opressão destes por medo e ameaça. Segundo Chiavenato (2009, p. 128): O homem se caracteriza por um padrão dual de comportamento: tanto pode cooperar como pode competir com os outros. Coopera quando os seus objetivos individuais somente podem ser alcançados através do esforço comum coletivo. Compete quando seus objetivos são disputados e pretendidos por outros. Diante do exposto pelo autor, pode-se entender que a intensidade da atuação dos indivíduos afeta de maneira significativa o ambiente de trabalho e as relações interpessoais. Percebe-se ainda, que os conflitos de interesse individuais, mesmo quando direcionados ao objetivo organizacional, são distintos dos interesses coletivos, uma vez que comportamento é orientado e dirigido por objetivos e estimulados por agentes internos e externos. Sendo assim, os agentes que impulsionam o comportamento individual interagem na coletividade organizacional mediante o desejo de satisfazer as necessidades humanas. Segundo Chiavenato (2009, p. 128), “o homem é considerado um animal dotado de necessidades que se alternam […]. Satisfeita uma necessidade surge outra em seu lugar e, assim por diante, contínua e infinitamente”. Na linha de raciocínio do autor as necessidades motivam o comportamento humano dando-lhe direção e conteúdo, isso considerando uma escala de prioridades a serem alcançadas, seguidas por outras de maior grau de importância. Dessa forma, a realização de uma tarefa laboral e a busca por saciar as necessidades individuais são intrínsecas as relações interpessoais, pois ambas são baseadas nas relações humanas e na maneira como são exposta à singularidade e particularidade de interesse pessoal dentro da coletividade organizacional. Assim, nota-se que as pessoas não são motivadas pelas mesmas coisas e que não estão sempre motivadas pelas mesmas coisas, uma vez que suas necessidades são tão mutáveis quanto às transformações do ambiente ao qual está inserido. O processo de Assédio Moral é capaz de precarizar a relação de trabalho, principalmente por dificultar a comunicação direta necessária para o bom desempenho funcional, além de desumanizar o ambiente organizacional e dificultando a criação de um espírito de cooperação e solidariedade entre os trabalhadores. Assim, as relações pessoais estão sendo mutiladas por um agravamento comportamental em que vive o indivíduo, e os problemas enfrentados atingem proporções inesperadas. Conforme esclarece Hirigoyen (2007, p. 186), “existem incontestavelmente sistemas perversos que favorecem a instalação do Assédio Moral, mas levar em conta os sistemas não impede de levar em conta as pessoas.” Assim, percebe – se que um dos motivos da publicidade alcançada pelo fenômeno pode residir na formação ética e moral dos protagonistas que, podem ainda, apresentar um desvio comportamental. Ou seja, em um cenário competitivo, a insegurança de perder o emprego, de não alcançar sucesso profissional ou tornar-se excluso da sociedade faz o trabalhador atacar, antes mesmo de ser atacado, assim adotam comportamentos hostis e antiéticos deteriorando as relações e o clima de trabalho. Neste contexto, o Assédio Moral continuamente extrai do propósito de satisfação das necessidades humanas subsídio para se propagar, encontrando nos indivíduos que compõe uma organização de trabalho a semente da violência. Este mecanismo pode vir a minar as relações laborais, atingindo a dignidade pessoal, corroendo suas relações familiares, retirando-lhes a auto-estima e fazendo-os duvidar de sua integridade psicológica e laboral. BIBLIOGRAFIA BARRETO, M. Assédio Moral – Ato deliberado de humilhação ou uma política da empresa para livra-se de trabalhadores indesejáveis. S/R. 2003. CHIAVENATO, I. Recursos Humanos – O capital humano das organizações; São Paulo, Campus, 2009. FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas relações de trabalho. Campinas: Russell Editores, 2004. HIRIGOYEN, Marie-France. Mal – Estar no Trabalho – Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 2002. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. SALVADOR, L. Assédio moral. Direito e Justiça, Curitiba, Editora O Estado do Paraná S/A, nov./2002.