Ao se falar em Brasília Amarela, quem não se lembra dos Mamonas Assassinas? A banda de rock cômico e irreverente, formada em 1990, em Guarulhos, marcou uma geração com hits que se espalharam por todo o Brasil. Foram 3 milhões de discos vendidos. No auge da carreira, em 1995, o grupo estava semanalmente nos programas de auditório de maior audiência do país, marcando presença nas casas e nas mentes dos brasileiros. Em 1996, há exatos 20 anos, essa história de sucesso acabou de forma prematura e trágica. Mesmo assim, o grupo continua bastante vivo na memória dos brasileiros que viveram aquela época. Por que, mesmo depois de tanto tempo, nós ainda nos lembramos deles e celebramos suas vidas? Você poderia argumentar que a forma trágica como o grupo acabou tornou sua lembrança mais marcante. E isso, sim, deve ter contribuído. Mas outras figuras musicais que fizeram muito sucesso, como João Paulo, que então fazia dupla com o cantor Daniel, e Claudinho, parceiro musical de Buchecha, foram vítimas de fatalidades e se perderam na memória seletiva da mídia e da população brasileira. Os Mamonas Assassinas – Dinho, Bento, Júlio Rasec, Samuel e Sérgio – tinham um carisma imenso e geravam uma identificação quase instantânea com que os ouvia pela primeira vez. Além disso, a imagem que a banda assumiu era marcante, coerente com aquilo que tocavam e cantavam. O que isso significa? A importância desse grupo na história da nossa música e a capacidade de suas canções e rostos perdurarem em nossa memória tem tudo a ver com Administração. E nós explicamos o porquê. Inovação Por muitos anos, a banda se chamou Utopia. A proposta, nessa epoca, era completamente diferente. Quando Dinho, vocalista, abordou o produtor Rick Bonadio para produzir o primeiro disco, explicou que a ideia era fazer um rock dos anos 80, com referências de Capital Inicial, Legião Urbana. No documentário “Mamonas pra Sempre”, disponível na Netflix, Bonadio conta que o grupo era divertido, mas suas letras eram tristes, sérias. Eles conseguiram gravar o álbum, mas foi um fracasso. Meio por acaso, os meninos foram ao estúdio de madrugada e gravaram “Pelados em Santos”, que Dinho chamou de “música de sacanagem”. Bonadio ficou impressionado com a canção e chamou a banda para conversar. Dali em diante, o humor e a irreverência, que eles levavam apenas na brincadeira, se tornou seu material de trabalho. Eles descobriram que eram diferentes e podiam fazer algo que nunca tinha sido feito antes. Ao investirem nos palavrões, letras escrachadas e até ofensivas, a banda estourou. E nenhum grupo conseguiu fazer algo parecido, até hoje. Os Mamonas Assassinas inovaram e permanecem completamente únicos. Disrupção Segundo Rick Bonadio, o momento de mercado para os Mamonas Assassinas era péssimo. Não era o momento do rock, nem da irreverência e ninguém queria investir em artistas novos. Existia uma crise do mercado fonográfico, por causa da transição de vinis para CDs. Nas palavras do próprio Bonadio, no documentário “Mamonas pra Sempre”, nada estava a favor do grupo. Nem a família acreditava que o besteirol renderia alguma coisa. Mas a peculiaridade e irreverência deles, a falta de pudor na construção das letras e nas apresentações, bem como nas misturas musicais – rock com brega, com sertanejo, com tudo – foram fatores que juntos fizeram com que aquele produto fosse disruptivo no cenário musical nacional. Por fazerem o que ninguém fazia, quando ninguém o faria, os Mamonas Assassinas se tornaram eternos. Empatia A ligação com o humor foi um ponto definidor para o Mamonas. Além de musicalmente talentosos, os meninos eram divertidos, verdadeiros entertainers. Um show ou aparição deles na televisão jamais seriam tediosos. Dinho mais parecia um ator no palco. Fantasias extravagantes, piadas politicamente incorretas e performance humorística eram certas. Olhando hoje para aquele período, algumas coisas até parecem esdrúxulas, como a letra da música Mundo Animal (e realmente eram). Mas na voz dos Mamonas eram diversão, simplesmente. Eles eram genuínos e isso vendeu. Dinho e os outros integrantes da banda conquistavam o público, eram capazes de gerar empatia com grandes e diversos grupos de pessoas. Crianças, jovens e adultos aderiram à legião de fãs que o sucesso meteórico do grupo criou. O carisma era um fator natural dos Mamonas e foi explorado para gerar essa relação apaixonada com os fãs, que perdura até hoje. Gestão A banda foi gerida de forma genial, do ponto de vista dos negócios. Da imagem, à música, ao que eles diziam quando se apresentavam, tudo foi trabalhado de forma coerente. E o melhor: virou uma extensão da qualidade genuína que existia em seu trabalho. Rick Bonadio, já naquela época um grande nome no cenário da produção musical do Brasil (hoje, mais ainda), foi uma figura importante, no que diz respeito a isso. Bonadio produziu o disco da Utopia e o do Mamonas. Foi ele quem disse aos meninos que o nome da banda precisava mudar. Ele apostou na música escrachada, quando os familiares dos integrantes do grupo chamavam o som de “porcaria” e desacreditavam qualquer possibilidade de sucesso com aquilo. Sua mão na produção do álbum Mamonas Assassinas e no acompanhamento da carreira da banda foi essencial. Durante essa curta carreira que tiveram, eles foram assessorados por uma equipe profissional de gestão, que cuidava de todos os aspectos do negócio. Após o acidente que levou à morte deles, inclusive, muito se falou sobre a rotina pesada de shows que eles estavam vivendo na época, e como isso poderia ter cansado o piloto que os levava de um lugar para outro, contribuindo para a tragédia. Porém, nada se pode afirmar com relação a isso. O fato é que, mesmo com pouco tempo de vida, o trabalho de gestão ajudou a catapultar os Mamonas Assassinas a um patamar impressionante de sucesso. Marketing Já tocamos de leve nesse assunto. A construção da imagem dos Mamonas Assassinas foi muito bem feita. Elementos característicos da banda, como a Brasília Amarela (que recentemente foi restaurada pela família de Dinho) e o “bigodinho português” que eles usavam, marcaram a imagem deles para a eternidade. Na época do estouro, o bigode virou febre, por exemplo, como adereço carnavalesco e entre as crianças. O grupo saiu em várias capas de revistas, lançou álbuns de figurinhas, fez especiais de televisão. Sempre com as fantasias extravagantes e características. O sucesso era tanto que no auge do grupo, Faustão e Gugu estabeleceram uma guerra pública pela presença dos Mamonas em seus programas. No documentário “Mamonas pra Sempre”, já mencionado, Rick Bonadio conta que a Globo chegou a oferecer R$ 3 milhões para que o grupo não fosse mais ao programa apresentado por Gugu e se tornasse atração exclusiva no Faustão, mas eles não aceitaram a proposta. A disputa se dava porque eles atraíam a audiência com muita intensidade. Houve um domingo em que os Mamonas deveriam ficar no ar, no programa do Gugu, por 30 minutos. Mas os indicadores de audiência em tempo real mostravam que as pessoas estavam mudando de canal, da Globo para o SBT, por causa deles. Resultado: a banda passou quatro horas no ar, enquanto todos os outros convidados ficavam apenas sentados, assistindo Gugu encontrar jeitos de não deixá-los ir embora.