A crise da experiência do cliente que está custando bilhões

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Apenas 14 % dos consumidores afirmam que suas experiências realmente melhoraram no último ano, segundo o Forrester CX Index 2025
Em 2024, empresas no mundo inteiro aumentaram seus investimentos em iniciativas voltadas a surpreender e diferenciar a jornada do cliente. A Gartner identificou um avanço significativo nos gastos com programas de Customer Experience focados em gerar impacto emocional. Apesar disso, apenas 14 % dos consumidores afirmam que suas experiências realmente melhoraram no último ano, segundo o Forrester CX Index 2025.
A discrepância entre esforço financeiro e resultado percebido indica que existe um problema estrutural na forma como CX (experiência do cliente) está sendo interpretado no mercado.
Conheço essa distância entre intenção e realidade. No Hopi Hari, melhoramos a jornada do visitante e avançamos a experiência do colaborador, mas encontrei resistência quando tentei implementar o NPS de forma consistente. A percepção da diretoria era de que já conheciam o cliente. Mas existe um grande abismo entre dizer que conhece o cliente e conhecê-lo de fato. Conhecer depende de dados, rotina de análise e método. Sem isso, a discussão se transforma numa guerra de egos tentando provar quem sabe mais e no final quem ganha é a patente maior.
Esse movimento se parece muito com o que aconteceu no marketing. Philip Kotler definiu marketing como um processo estratégico para criar e entregar valor, o que envolve comportamento humano, economia, distribuição, posicionamento e análises complexas. Mesmo assim, os gurus do marketing reduziram tudo a táticas digitais de curto prazo tal como o famoso “6 em 7”. Não por acaso, o CMO Survey de 2025 apontou de forma alarmante que 68 por cento dos CMOs admitem não dominar plenamente os fundamentos da área.
Quando uma disciplina complexa é simplificada de forma excessiva, ela perde precisão. E foi exatamente isso que começou a acontecer com a experiência do cliente.
O tema se popularizou, mas perdeu profundidade. Expressões como Disney, momento UAU, magia e encantamento passaram a ocupar o espaço de métricas, método e operação. Nenhuma dessas referências é negativa por si só. O problema é quando elas substituem mapa de jornada, análise de esforço, indicadores de retenção e decisões estruturais. Para entender o que realmente importa, basta olhar para estudos consistentes.
A Harvard Business Review atualizou em 2025 uma pesquisa clássica sobre lealdade e apontou que o Customer Effort Score, que mede o quanto a jornada exige do cliente, é um preditor mais forte de lealdade do cliente do que o próprio NPS. E se você não se assustou com essa informação, por favor volte 3 casas, afinal o NPS existe para medir justamente lealdade do cliente.
A PwC identificou que 59% dos consumidores abandonam até mesmo suas marcas favoritas após uma única experiência ruim. Estudos amplamente divulgados por Esteban Kolsky, pesquisador renomado da área de experiência do cliente, reforçam que a maioria dos clientes insatisfeitos não reclama e simplesmente muda de fornecedor.
Essas análises convergem para os mesmos fatores: reduzir esforço, eliminar fricção, comunicar com clareza e manter consistência. Adivinha que palavra nÃo apareceu aqui: “encantamento”.
Operações de alto desempenho seguem uma estrutura clara. A primeira camada é a jornada completa, do primeiro contato ao pós-venda. A segunda é a psicologia aplicada, como a Regra Peak End, que explica por que as pessoas lembram principalmente do ponto mais marcante e do desfecho de uma experiência. A terceira são os fundamentos do negócio: lifetime value maior que o custo de aquisição, cancelamento mensal baixo e NPS consistente acima de 50 pontos. Esses indicadores mostram se a jornada funciona e se a empresa está construindo lealdade com base em valor, não em espetáculo.
Essa lógica se repete em ambientes complexos. No Disney Institute, onde me formei, a lição principal nunca foi encantamento pelo encantamento. Mas sim o processo por trás da magia. A gestão de fluxo, o treinamento intensivo e a forma como decisões são padronizadas explicam por que a experiência parece tão fluida. O sistema Lightning Lane, sistema pago de filas rápidas da Disney, por exemplo, usa algoritmos para redistribuir demanda e reduzir o tempo de espera. Desculpe por te dizer isso mas a magia da Disney não passa de processos bem definidos, bem alinhados e extremamente bem executados.
A consequência da superficialidade aparece de forma concreta nos balanços financeiros. Estimativas de mercado indicam que bilhões de dólares foram alocados em 2025 em ações de encantamento isolado que não alteraram indicadores de retenção, recorrência ou valor por cliente. Esses recursos poderiam ter sido direcionados para melhorias operacionais que reduzem atrito e fortalecem a relação de longo prazo com o consumidor. Mas ao invés disso esses investimentos só convenceram alguns executivos de que “experiência do cliente não funciona”. Quando o que não funciona é esse CX simplificado que esse povo criou.
A partir daí surge o conceito da experiência invisível. A jornada que simplesmente não atrapalha. O banco que não gera dúvida, o aplicativo que executa o que promete, o atendimento que resolve sem transferências desnecessárias. Esse tipo de experiência, construída em silêncio, fideliza mais do que qualquer gesto isolado. Fora de contexto, o encantamento não gera lealdade. Ele só eleva a expectativa e aumenta o risco de frustração no próximo ponto de contato.
Por isso, quando alguém dentro da empresa se propõe a criar um momento UAU que envolve custos, a pergunta deve ser objetiva: o que isso faz? Evita cancelamento? É uma retratação? O retorno é tangível?
E aí não existe resposta certa. Existe bom senso e decisão baseada em dados. E olha que eu sou o cara que acredita piamente que “gente feliz dá lucro”, mas lucro se mede em números.
“Experiência do cliente” somente merece esse nome quando reduz custo, aumenta retenção e fortalece a confiança. Todo o resto é decoração cara.
Mais informações: https://www.linkedin.com/in/brgoncalves/









