Em uma organização, a gestão de compras é uma atividade carente de controle especial. E em razão de representar desembolsos efetivos de recursos, deve ser visualizada com atenção. A eficiência nessa área é crucial para que a missão da empresa seja desempenhada com excelência e a sua geração de valor não seja prejudicada. No setor público as compras influenciam consideravelmente a alocação de verba para prestação de serviços públicos e investimentos que geram valor aos contribuintes, mantenedores da máquina pública com o pagamento de tributos. Cada centavo gasto, por ter impacto em dinheiro público, deve ter como fim o interesse da coletividade e, portanto, a escolha dos fornecedores de bens e serviços deve pautar-se na contratação de particulares que ofereçam as melhores condições para que entidade realize sua atividade fim. Logo é fundamental entender e definir alguns conceitos relacionados a este processo. Compra organizacional é o modo pelo qual as organizações satisfazem as suas carências de produtos e serviços. “o processo de tomada de decisão por meio do qual as organizações estabelecem a necessidade da compra de produtos e serviços, além de identificar, avaliar e escolher, entre as marcas e os fornecedores disponíveis, qual a melhor opção” (KOTLER apud WEBSTER & WIND, 2000, p. 214). A atividade de compras ocupa uma posição importante em uma organização, pois no decorrer de sua execução os recursos financeiros das organizações são comprometidos. A função de compras é subdividida por Arnold J.R Tony (2006) em quatro categorias: (1) Obter mercadorias e serviços na quantidade e com qualidade necessárias; (2) Obter mercadorias e serviços ao menor custo; (3) Garantir o melhor serviço possível e pronta entrega por parte do fornecedor; (4) Desenvolver e manter boas relações com os fornecedores e desenvolver fornecedores potenciais. Essa função está relacionada aos objetivos organizacionais de suprir as demais funções organizacionais e de reduzir os custos das atividades. Logo, para atingir esses objetivos, urge identificar e compreender cada etapa do processo de compras. Na concepção de Kotler & Keller (2006), o processo é dividido em oito estágios. Quadro 1 – Estágios do Processo de Compra Reconhecimento do problema Descrição geral da necessidade Especificação do produto Procura de fornecedores Solicitação de propostas Seleção de fornecedores Especificação do pedido de rotina Revisão do desempenho Fonte: KOTLER e KELLER (p. 219, 2006) O reconhecimento do problema decorre do aparecimento da necessidade da compra e o setor requisitante e/ou destinatário da mesma tem a responsabilidade de efetuar a descrição da futura aquisição, primeiramente, de forma geral, e em seguida, de modo detalhado e completo, relacionando a quantidade necessária e as demais especificações. Essa etapa é muito importante, pois a partir dos dados gerados nesta fase do processo de compra é que serão elaboradas solicitações de propostas. A procura de potenciais fornecedores, seguida do envio de solicitações de propostas, é o procedimento de obtenção de informações para a comparação de preços e das condições da compra. São utilizados diversos canais como a internet, catálogos de empresa, cadastro próprio, contato por telefone, correio eletrônico, fax, entre outros. O somatório dos fatores preço e condições de fornecimento influenciam a seleção do fornecedor que após o aceite da ordem de compra fica vinculado como a um contrato, devendo cumprir todas as condições de fornecimento. E por fim, a revisão do desempenho consiste em de tempos em tempos obter dos usuários finais o retorno sobre a satisfação do objeto da compra. Diante do exposto vê-se que o processo é amplo e envolve várias questões e consequentes decisões, como: Quais produtos comprar, de quais fornecedores e sob quais condições. Quando o governo, em todas suas esferas e ramificações, “compra um produto ou serviço para seu próprio uso” (NAÇÕES UNIDAS, 2003, p. 6), o processo é todo regrado por mandamentos legais aplicados à Administração Pública. A administração pública, na definição de Meirelles (2005), é conceituada com o instrumental que o Estado dispõe para pôr em prática as opções políticas de governo. Pode-se classificá-la em sentido objetivo que “refere-se às atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas”, e em sentido subjetivo, que “refere-se aos órgãos integrantes das pessoas jurídicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), aos quais a lei confere o exercício de funções administrativas” (DI PIETRO, 1997, p. 55-56). A compra governamental é baseada em princípios de gestão pública. A Constituição Federal Brasileira cita cinco princípios em seu artigo 37 (quadro 2), mas existem inúmeros outros princípios citados pelos autores do ramo do Direito Administrativo. Por exemplos: Princípio da finalidade, da motivação, da razoabilidade, proporcionalidade, da ampla defesa; do contraditório, da segurança jurídica e do interesse público. Quadro 2 – Princípios Explícitos da Administração Pública Legalidade Impessoalidade Moralidade Publicidade Eficiência Fonte: Art. 37 da CFB/88 Fundamentado nesses princípios, o governo por mandamento legal, como regra, realiza suas compra por meio da licitação. Meirelles (2005, p. 269) a define como o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Já Di Pietro apud Dromi (2010, p. 350), explica que na licitação um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato. Em outras palavras, a licitação, em regra, é um conjunto de procedimentos que o governo está obrigado a realizar em suas compras e contratações de serviços. Na licitação a Administração Pública tem uma postura reativa, pois depois de informar através de edital suas necessidades de contratações, põe-se a aguardar as propostas dos interessados em satisfazê-las tornando-se fornecedores. Dependendo do valor (quadro 3) da compra ou do serviço a serviço o processo é enquadrado em uma das modalidades de Licitação constantes no artigo 22 da Lei Federal N. 8.666/93 como Convite, Tomada de Preços e Concorrência. Já dependente das características do objeto de compra (bens comuns) a modalidade adotada poderá ser o Pregão conforme a Lei Federal N. 10.520/02. Quadro 3 – Modalidades de Licitação, Licitação Dispensável e seus Respectivos Limites para Compras de Bens e Serviços Licitação Dispensável – Até R$ 8.000,00 Convite – Até R$ 80.000,00 Tomada de Preços – Até R$ 650.000,00 Concorrência – Obrigatória acima de R$ 650.000,00 Pregão Eletrônico – Qualquer valor, mas somente para bens e serviços comuns Fonte: Lei Federal N. 8666/1993 e Lei Federal N. 10.520/2002 Todavia, existem casos específicos que a própria lei confere à Administração Pública uma discricionariedade para dispensar a Licitação e contratar diretamente. Segundo o Tribunal de Contas da União (2006), contratação direta é a contratação realizada sem licitação. Na compra direta o processo é mais simplificado e mais rápido, exatamente pela dispensa de confecção e publicação de edital ou aviso de realização de compra, espera do prazo mínimo de divulgação, bem como após receber as propostas e julgá-las, ter de aguardar o prazo de possíveis recursos, para então efetuar a contratação. A matéria em questão é tratada na Lei Federal N. 8.666 de 1993 que “diversificou os casos em que a Administração pode ou deve deixar de realizar licitação, tornando-a (1) dispensada, (2) inexigível e (3) dispensável” (MEIRELLES, 2005, p. 275, grifo meu, com adaptações). A licitação dispensada, conforme interpretação do seu Art. 17, não está relacionada com a compra, mas com venda, doação, dação em pagamento, permuta, entre outros, de bens móveis e imóveis, neste caso não há discricionariedade e sim vinculação à situação descrita na lei. Já a licitação inexigível, consoante o artigo 25, que trata das hipóteses de inexigibilidade de licitação, ocorre, por exemplo, quando existe inviabilidade jurídica de competição, situação que autoriza a Administração a celebrar diretamente o contrato sem prévia licitação, até por que a realização desta não seria lógica. Por fim, a licitação é dispensável quando o objeto ou serviço a ser comprado se enquadra em um dos requisitos do artigo 24 com seus trinta e um incisos. As hipóteses de licitação dispensável, dispostas no artigo anteriormente citado da lei de licitações, podem ser agrupadas em quatro categorias conforme a quadro 3. Quadro 3 – Categorias das Hipóteses de Licitação Dispensável Situações excepcionais; Objeto; Pessoa. Pequeno valor; Fonte: DI PIETRO (p. 368, 2010) Como exemplos de situações excepcionais, têm-se os casos de guerra, grave perturbação da ordem, emergência e calamidade pública ou quando não acudirem interessados na licitação, entre outros. Em relação ao objeto a contratar cita-se os casos de compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, de aquisição e restauração de obras de arte e objetos históricos, aquisição de componentes ou peças necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica junto ao fornecedor original, etc. Em razão da pessoa a contratar são exemplos as contratação de associação de portadores de deficiência sem fins lucrativos, de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino, desenvolvimento institucional ou recuperação do preso, de fornecedor ou supridor de energia elétrica e gás natural, de organizações sociais qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo para as atividades contempladas no contrato de gestão, entre outras hipóteses que atendam aos requisitos da lei. Em razão do pequeno valor, a lei de licitações estabelece limites para a contratação por Dispensa de Licitação, sendo de oito mil reais para compras e serviços e de quinze mil reais para obras e serviços de engenharia. Esses limites devem ser utilizados para todo o exercício financeiro. Por exemplo, duas compras são realizadas por dispensa de licitação cada uma por um valor abaixo de oito mil reais, entretanto a soma das duas supera esse limite. Nessa situação, se as referidas compras forem do mesmo objeto e exercício financeiro tem-se caracterizada uma fuga de licitação e logo uma ilegalidade. O exemplo explicitado anteriormente refere-se ao subterfúgio conhecido como fracionamento da despesa que ocorre quando “se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o total da despesa, ou para efetuar contratação direta”, dentro de um mesmo exercício financeiro. (TCU, 2006) Na Contabilidade Pública o exercício financeiro é entendido como o “período definido para fins de segregação e organização dos registros relativos à arrecadação de receitas, à execução de despesas e aos atos gerais de administração financeira e patrimonial da administração pública” (SENADO FEDERAL, 2011). Sua duração é de doze meses e coincide com o ano civil, inteligência do disposto no art. 34 da Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964 que estatui normas gerais para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da administração Pública. As compras realizadas no exercício devem ser acompanhadas de modo a evitar o fracionamento da despesa, ou seja, uma fuga da licitação. A realização de um planejamento, mediante a identificação e estimativa das necessidades para o todo o exercício, pode auxiliar no processo de compra por dispensa de licitação. Cabe ressaltar que o fracionamento das compras pode ocasionar uma não economia de escala nos preços, pois o fator quantidade influencia diretamente nos custos dos fornecedores. Diante de uma grande demanda o fornecedor pode diminuir a margem de lucro unitária de cada produto, beneficiando a organização compradora. Depreende-se que na compra em grande escala existem vantagens do aumento de possíveis interessados no fornecimento e da redução do preço unitário da compra. O acréscimo nos potenciais fornecedores sobrevém da possibilidade de haver o interesse em apresentar propostas de empresas estabelecidas em regiões/estados distantes do local de fornecimento. Como consequência de uma compra de ampla dimensão, os custos de entrega (transporte) são diluídos/incluídos no preço global da proposta de fornecimento. A redução do preço advém da maior quantidade de propostas, pois empresas fornecedoras de grande porte e/ou detentoras de uma metodologia de produção eficiente e/ou especializadas no produto da compra conseguem ofertar preços mais vantajosos para organização compradora. É possível que até o fabricante original do produto em compra esteja entre os interessados no fornecimento o que pode acarretar na diminuição do preço ofertado, pois neste casso não haverá adição no custo do produto pelo incremento de empresas na cadeia de abastecimento. Todo aquele que contribui para conclusão de um processo de compra tem acesso a um leque de informações de interesse de potenciais fornecedores. Qualquer atitude do profissional envolvido no processo de compras deve atinar-se ao que é moralmente aceito e ético. Possíveis ações que venham a gerar suspeitas ou insinuações de terceiros quanto à integridade do processo devem ser evitadas. O ser humano é influenciado pelas suas percepções as quais tendem a direcionar o seu entendimento, interpretação, decisões, julgamentos, em resumo, o seu comportamento. Não imunes a essa verdade os compradores também “são afetados por um leque de fatores ambientais, organizacionais, interpessoais e individuais” (KOTLER & AMOSTRONG, 1993, p. 124). Compreende-se que na conjugação desses fatores o comprador deve agir com ética e respeitar as regras que beneficiam a organização compradora. Nesse sentido o comprador deve agir racionalmente “durante a avaliação de um processo de compra de determinado material ou de contratação de serviço, deve manter-se equidistante de todos os fornecedores, evitando que aspectos pessoais e subjetivos interfiram nas suas decisões, beneficiando um único fornecedor em detrimento de outros e, consequentemente, da sua própria empresa” (DIAS e COSTA, 2000, p. 219). Os profissionais que atuam na área de comprastêm como alvo a geração da maior economia possível para a organização compradora, porém jamais devem preterir as normas internas e externas incidentes ao processo. REFERÊNCIAS ARNOLD, J.R Tony. Administração de materiais: uma introdução. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2006. BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: . Acesso em: 11 ago. 2006 _________. Lei 10.520, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Brasília, 18 jun. 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2006. DIAS, Mário; COSTA, Roberto F.. Manual do comprador: conceitos, técnicas e práticas indispensáveis em um departamento de compras. São Paulo: edicta, 2000. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio; tradução bazán tecnologia e linguística; revisão técnica Arão Spiro. São Paulo: Prentice hall, 2000. KOTLER, Philip; KELLER. Kevin Lane. Administração de marketing: a edição do novo milênio; tradução Mônica Rosenberg; Brasil Ramos Fernandes, Cláudia Freire; – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. NAÇÕES UNIDAS. Conferência das nações unidas sobre comércio e desenvolvimento. Soluções de controvérsias. Organização Mundial do Comércio. Compras governamentais, Nova York e Genebra, 2003. Disponível em . Acesso em: 30 mai. 2011. SENADO FEDERAL. Portal orçamento: Glossário. Disponível em . Acesso em: 10 jun.. 2011. TCU. Licitações & contratos. Orientações básicas. 3 ed. Brasília, 2006.