Uma análise sobre ganhos potenciais, limitações estruturais e desafios políticos no processo de adesão brasileira ao organismo internacional O debate sobre a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ganhou força nos últimos anos e, hoje, já não se trata de uma especulação, mas de um processo em curso: o país, afinal de contas já aderiu a mais de 100 instrumentos normativos da entidade e, no final de outubro, firmou sua entrada na Convenção Multilateral para a Aplicação das Medidas Relativas aos Tratados Tributários Destinadas a Prevenir a Erosão da Base Tributária e a Transferência de Lucros (MLI), marco relevante para o alinhamento brasileiro às melhores práticas internacionais contra práticas fiscais abusivas. Esses movimentos sinalizam, nesse sentido, não apenas uma intenção política pontual, mas um processo gradativo de convergência a padrões globais de mercado em temas como governança tributária, compliance, transparência e ambiente de negócios. Mas essa convergência, no entanto, não caminha sem entraves e nem pode ser vista como uma mera oportunidade. A entrada plena na OCDE envolve uma transformação profunda na forma como o país se organiza econômica, regulatória e institucionalmente. Por isso, mais do que um debate de agenda ideológica, trata-se de uma discussão estrutural que traz consigo efeitos diretos sobre competitividade, investimentos, autonomia regulatória e capacidade estatal. Isso posto, a aproximação com 'o clube dos países mais ricos' costuma ser vista como uma forma de o Brasil reduzir décadas de atraso institucional. De fato, dentro de um certo prisma, a adesão ao organismo funciona como um 'selo de qualidade' capaz de aumentar a confiança de investidores internacionais, diminuir percepções de risco e ampliar fluxos de capital produtivo, financeiro e mesmo humano no ambiente de negócios nacional. Via de regra, por exemplo, a média de produtividade dos países da OCDE é mais alta, dentro de um contexto em que também há melhor percepção de credibilidade acerca de suas políticas macroeconômicas. Para o Brasil, que busca retomar protagonismo numa escala internacional para além das commodities, esse alinhamento pode, nesse sentido, representar uma oportunidade de modernização institucional importante, com efeitos econômicos potenciais nada triviais e que podem abarcar desde uma maior atração de investimentos até avanços nos processos de inovação dentro do mercado brasileiro. Entretanto, seria ingênuo ignorar os custos e desafios dessa trajetória. O ingresso pleno na OCDE exige reformas profundas que historicamente encontram barreiras no Brasil: simplificação tributária, redução da burocracia e do custo do Estado, modernização administrativa, elevação da qualidade regulatória e, sobretudo, avanço significativo em educação e capital humano. Dentro desse contexto, em que pese o fato da Reforma Tributária trazer uma potencial simplificação no longo prazo, ela está longe de eliminar a excessiva carga fiscal do país, haja vista que o IVA brasileiro será um dos maiores do mundo. Ato contínuo, a adesão às demais recomendações da OCDE implica em revisões de marcos legais, de políticas públicas e no próprio funcionamento das instituições brasileiras ainda marcadas por instabilidade, corrupção e falta de coordenação entre os entes do Estado. Além disso, há de se considerar também questões sensíveis relacionadas à autonomia regulatória, pois embora a OCDE não imponha, em geral, regras obrigatórias do ponto de vista jurídico-legislativo, ela estabelece, sim, padrões que tendem a orientar decisões governamentais. E esse movimento de convergência pode gerar atritos com setores domésticos resistentes à abertura econômica, à concorrência internacional ou à revisão de regimes especiais, por exemplo. Em certos casos, pode também entrar em choque com interesses estratégicos do país ou de parceiros comerciais relevantes, especialmente em temas de política industrial, subsídios e regulação. Outro ponto importante é que o ingresso não ocorre em um vácuo geopolítico: a OCDE é um organismo que expressa, em grande medida, a visão econômica e institucional das economias avançadas. Países emergentes, como o Brasil, precisam negociar margens de flexibilidade que permitam resguardar suas prioridades internas. Há também a possibilidade de tensões diplomáticas, uma vez que diferentes membros defendem agendas econômicas nem sempre compatíveis com os interesses brasileiros. Isso exige habilidade negociadora e clareza sobre os limites da integração possível. Por fim, há o desafio mais complexo: aderir a mais de 100 instrumentos da OCDE demonstra avanço, mas internalizá-los com consistência demanda fortalecimento institucional, continuidade administrativa e redução da instabilidade política que historicamente dificulta a implementação de agendas estruturantes no país. O Brasil tem assim diante de si uma janela de oportunidade, mas que traz seus próprios desafios. Afinal de contas, se a aproximação com a OCDE pode fortalecer a governança pública, elevar o padrão regulatório e aproximar o país das melhores práticas de negócio globais; esse processo não é automático e tampouco está isento de contradições. Finalmente, e o mais importante, os potenciais ganhos de uma real entrada na OCDE só se materializarão se forem acompanhados de reformas profundas, modernização institucional e capacidade política de sustentar um projeto de desenvolvimento consistente dentro de uma agenda de Estado, não de governos provisórios. Essa não é uma equação fácil para um país que, desde sempre, é visto como o país do futuro, mas se agarra a contradições do passado.