Um tema sobre o qual pretendo propor uma reflexão neste artigo é um contraditório que tem caracterizado o mundo contemporâneo. Refiro-me ao fato de que, constantemente, temos lido e ouvido declarações de que nos faltam novas lideranças políticas ou econômicas que possam transmitir alguma credibilidade ou segurança para o enfrentamento dos desafios provocados pela crise mundial que se iniciou em 2008. Mas, por outro lado, é cada vez maior o surgimento – bastante estimulado pelos diferentes canais de comunicação e literatura em geral – de lideranças corporativas que devem ser admiradas, enaltecidas e até imitadas. Muitos, inclusive, são rapidamente colocados na qualidade de referência, ou, adicionalmente, transformados em novos 'gurus' da administração de empresas. É evidente que o contraste entre o mundo político e o universo corporativo, até mesmo pelas características muito próprias de cada um, não representa em si a questão central do que aqui desejo tratar. É suficientemente óbvio de que as características para uma liderança, requeridas em cada um destes universos, exige perfis e habilidades bastante distintas. O que acredito mereça uma análise mais ampla e profunda, é o fato de que muitas destas figuras corporativas – sejam eles empreendedores, empresários ou altos executivos – com alguma facilidade e rapidez, tem se tornado mitos ou personagens. Na maioria das vezes com uma imagem construída de forma muito dissociada – ou sem muita coerência – com sua identidade pessoal. Eis alguns dos riscos que figuras humanas 'normais', representam ao serem transformados, ou se transformem, em mitos ou personagens. – Em geral são pessoas que atuam de forma muito solitária e utilizam a equipe de colaboradores, exclusivamente, para seus fins e interesses;– Utilizam todos os meios possíveis para chamar a atenção do mercado, meios de comunicação e eventos públicos como meio para fortalecer sua imagem de pessoa diferenciada dos demais;– Uma significativa maioria não forma equipes. Adestra seguidores.– Mantém uma forte preocupação em 'deixar a SUA marca' – bastante personalizada – por onde passa e nos empreendimentos que realiza;– Não manifesta nenhuma preocupação ou atitude no sentido de treinar, educar e desenvolver novas lideranças;– De maneira geral levam consigo sua equipe de 'sustentação' em todas as transferências para novas empresas ou desafios;– Em geral não consideram o conceito de 'legado' como forma de transmitir valores, conduta ética ou princípios de longo prazo;– Se esforçam no propósito de se tornarem figuras consideradas 'insubstituíveis', esquecendo que o cemitério está cheio delas;– Atuam com uma visão mesquinha de curto prazo;– Tem grandes dificuldades no encaminhamento da sua sucessão ou de qualquer processo de continuidade da sua obra ou realizações;– Todas suas ações procuram criar a imagem de mito, ou fortalecimento do personagem, evitando qualquer demonstração de fragilidade ou insegurança, decorrente da sua personalidade original;Apresentam grande dificuldade em lidar com o ostracismo, perda de poder, status ou se tornar um 'ilustre desconhecido'. Também para os filhos destas figuras a missão é difícil. Na mesma medida em que são comparados com o 'personagem' perfeito, convivem, na intimidade, com a figura de um pai ausente. Um ser humano normal, com todas suas imperfeições. Diante deste conjunto de fatores está claro que o processo de sucessão ou continuidade de um mito ou personagem é missão impossível. E com os diferentes impactos ao se tratar de empresário ou executivo. É evidente que isto não impossibilita a substituição de figuras importantes. Desde que estas sejam reconhecidas por suas obras e legado, além da dimensão humana, nas suas fortalezas e fragilidades. O que estou afirmando – e no Brasil temos vários exemplos – é que mitos e personagens, que procuram manter uma imagem de superação permanente, se tornam únicos e não passíveis de sucessão. Qualquer pessoa o que tente fazer, correrá o risco de cair no ridículo ou se tornar uma cópia, sem identidade própria. Esta é mais uma provocação para ser pensada.