AS DEUSAS DA JUSTIÇA E DOS JULGAMENTOS NA MITOLOGIA ELIEZER RODRIGUES DE ANDRADE FACULDADE GUARAÍ – FAG As deusas – Têmis, Nêmesis, as Moiras e as Erínias –como foram representadas na mitologia, tipificam certas atitudes diante da vida, da arbitrariedade, da lei, da justiça, do instinto, da razão, que se expressam nos vários comportamentos. Este artigo objetiva relacionar o agir das deusas com a consciência e com o comportamento dos profissionais do Direito. MOIRAS, NÊMESIS, TÊMIS, ERÍNIAS: O DESTINO, A VINGANÇA, A ÉTICA, O REMORSO A aplicação correta da justiça no Direito é um meio eficiente e capaz de moldar uma sociedade como um todo. Mesmo com todas as formas mais rígidas aplicadas pelas deusas mitológicas, o objetivo era de punir os homens por seus erros. Se as leis forem aplicadas com sabedoria, não havendo distinção entre branco ou negro, pobre ou rico, com certeza, o povo passará a dar mais crédito à justiça, porque ela realmente funciona na sua plenitude. Segundo a mitologia grega, as Moiras eram conhecidas como as deusas do destino. São elas: Cloto, Láquesis e Átropos. Conforme os poetas na antiguidade, as deusas Moiras eram figuradas como velhas de aspecto sinistro, de grandes dentes e longas unhas. Porém, nas artes plásticas, aparecem representadas como lindas donzelas. Determinar o destino dos humanos era sua finalidade, inclusive, os anseios, atribulações e o sofrimento. As decisões e o destino dos indivíduos eram feitos de forma individual, de acordo o delito praticado. A deusa Cloto, que no grego significa “fiar”, segurava o fuso e puxava o fio da vida. Láquesis sorteava o nome das pessoas que sofreriam a pena capital, “a morte”, enquanto Àtropos era irredutível, controladora em suas decisões. Em suma, as Moiras tinham influência desde o nascimento do indivíduo, passando pela fase matrimonial até a sua morte. A deusa Nêmesis era contra o orgulho, a arrogância e o descumprimento das leis. Retratava a persosificação da vingança, razão de os indivíduos serem castigados severamente. Castigava todos aqueles que cometiam crimes. Punia os filhos desobedientes aos seus pais, porém, possuía uma característica bastante interessante. Ela consolava as mulheres que perdiam seus maridos, bem como ajudava aqueles que eram injustiçados. Enquadravam-se, também, os crimes de sangue, a cólera, a soberba, os crimes contra a dignidade humana, o rancor, a cobiça e o ciúme. A infidelidade conjugal estava entre os delitos com maior grau de punição. Nêmesis foi criada com Têmis, a deusa da justiça e da ética. A justiça, o rancor, o castigo, a retribuição eram os atributos dessas deusas mitológicas. Segundo Chevalier (2001, p. 376), As Erínias eram os instrumentos da vingança divina para castigar os erros dos homens, que elas perseguiam, semeando-lhes o medo no coração. Na Antiguidade, já eram identificadas à consciência. Interiorizadas, simbolizam o remorso, o sentimento de culpa, de autodestruição daquele que se abandona ao sentimento de um pecado que considera inexplicável. As Erínias eram consideradas as guardiãs das leis e, por isso, não compactuavam com os infratores, punindo-os com todo rigor. Assim como as Moiras (o destino), elas eram originalmente guardiãs das leis da natureza e da ordem das coisas (física e moral), e por isso puniam todos aqueles que ultrapassassem seus direitos à custa dos de outrem, quer entre os deuses, quer entre os homens. Só mais tarde viriam a tornar-se especificamente as divindades vingadoras do crime. (CHEVALIER, 2001, p. 376). DA CONSCIÊNCIA E DO COMPORTAMENTO DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO Os operadores do Direito, como os magistrados, advogados, promotores de justiça, delegados de polícia, bem como todos aqueles que atuam direta ou indiretamente no ramo do Direito, possuem um papel fundamental e consciente na sociedade. Podem-se extrair alguns conceitos praticados pelas deusas da mitologia grega e fazer valer aos dias atuais, porém, com ressalvas. As deusas não usavam de benevolência para com os que transgredissem as leis, o que ocorre o contrário com o Direito da atualidade. Atualmente, embora o indivíduo infrinja alguma norma jurídica, ou até mesmo religiosa, ainda lhe cabe o direito de defesa, pois, enquanto não se prove o contrário, é considerado inocente. Mesmo havendo crime e não flagrante ou testemunha, pouco poderá ser elucidado. Contudo, a justiça, para que não se torne inútil nessas situações, busca outras formas até que encontre o culpado. Existem vários meios para chegar a esse fim, como retrato falado, teste de DNA, acareações, etc. Vale dizer que as pessoas que buscam a prestação jurisdicional acreditam que os seus problemas serão solucionados da melhor maneira possível. A inflexibilidade era um dos comportamentos das deusas mitológicas. Isso não é característica de um Juiz de Direito, uma vez que não deve existir inflexibilidade e tão pouco flexibilidade e, sim, de total imparcialidade em suas decisões. Já a parcialidade é característica do advogado tanto que, por mais que um indivíduo pratique um crime, ainda o Estado lhe dá o direito de defesa. Em contrapartida, a parte acusadora, no caso, o Promotor de Justiça convence os jurados de que o delinquente poderá trazer riscos à sociedade, caso permaneça em liberdade, em decorrência do crime praticado. Mesmo constatado de que realmente houve crime, o acusado pode ter sua pena atenuada, caso possua bons antecedentes e residência fixa. Pode, ainda, ter um regime de prisão semi-aberto, domiciliar, perdão judicial, suspensão condicional. Os Habeas-corpus, a liberdade condicional e a provisória também são alguns meios para que uma pessoa condenada receba sua soltura. As penas também podem ser substituídas por prestações de serviços comunitários, ou até mesmo serem soltos mediante pagamento de fiança, muito comum em crimes praticados por pessoas que têm bom poder aquisitivo ou simplesmente por influências políticas. Leva-se, ainda, em conta a soltura daqueles que violam ou não as leis. Para o isso o Art. 5º, da Constituição Federal, assegura o seguinte: LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXVIII – conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Para as deusas da mitologia grega, não cabiam recursos ou pedidos de clemências. Era inevitável a aplicação da pena. “A alma que pecar essa morrerá” (trecho bíblico), hipoteticamente, poderia ser uma espécie de slogan para aquela época. Mas existem situações similares às leis das deusas aplicadas em alguns países: a pena capital por enforcamento, injeção letal, cadeira elétrica e a prisão perpétua. No caso da pena de morte, muitos pedem clemência para que suas vidas sejam poupadas, porém dependem da palavra final da Justiça. Durante os debates, os operadores do Direito se gladiam até que estejam certos de que os jurados estão convencidos da verdade. Mediante o voto dos jurados, o juiz aplica uma sentença, seja ela condenatória ou absolutória. Assim como as Moiras e as Nêmesis decidiam o destino dos indivíduos, nos dias atuais o condenado encontra-se completamente refém de um corpo de jurados que decidirá por ele, o seu destino, inocente ou culpado. Segundo as deusas, os delitos de sangue eram crimes considerados inafiançáveis, e isso não é diferente, hoje. Crimes, como s e estupros são julgados sem que passem por um júri popular por serem considerados crimes hediondos. São tipos de crimes que violam uma vida inteira, pois as pessoas que passam por problemas como esses, além de sofrerem fisicamente, sofrem também problemas psicológicos. Existem casos que são irremediáveis, pois deixam marcas tão profundas na alma de uma pessoa, seja ela quem for. Similar aos castigos praticados pelas deusas. Nêmesis aplicava a lei na sua essência, sem direito a penitências. Atualmente, em alguns casos, isso não foge à regra, prevalecendo a aplicação da lei, de forma mais rigorosa, aos crimes passíveis de condenação inafiançável, tipificados no artigo 5º da Constituição Federal. XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Uma característica muito comum em alguns países é a existência de um sistema de governo opressor e controlador que, às vezes, até se assemelha às deusas mitológicas. Por outro lado, também existem formas de governos que zelam pelo bem social do seu povo, construindo uma sociedade menos injusta e garantindo o acesso do cidadão a uma justiça mais eficiente. DOS CRIMES CONTRA A HONRA Faz jus, também, correlacionar os castigos das deusas com a justiça atual, quando se fere a dignidade humana, como a calúnia, a difamação e a injúria. No Código Penal Brasileiro, versam os artigos 138; 139; 140 (Calúnia, Difamação e Injúria), que prevêem punições com detenções e pagamento de multas. Calúnia: Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Difamação Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Injúria Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Víctor Eduardo Gonçalves define “honra como um conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais”. Na infidelidade, a deusa Megara era implacável com relação ao matrimônio, considerado sagrado e inviolável. Transportando para a realidade atual, o Código Penal prescreve que a “infidelidade ou crime contra a família, a bigamia, induzimento prévio de impedimento, simulação de autoridade para celebração de casamento e conhecimento prévio de impedimento”, estão tipificados nos artigos 235 a 240, com penas de prisão para alguns casos. Art. 235 – Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1º – Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º – Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime. Induzimento a Erro Essencial e Ocultação de Impedimento Art. 236 – Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Conhecimento Prévio de Impedimento Art. 237 – Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Simulação de Autoridade para Celebração de Casamento Art. 238 – Atribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, se o fato não constitui crime mais grave. Simulação de Casamento Art. 239 – Simular casamento mediante engano de outra pessoa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, se o fato não constitui elemento de crime mais grave. Adultério Art. 240 – Cometer adultério: (Revogado pela L-011.106- 2005) Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses. O artigo 240, que trata de adultério, foi simplesmente revogado pela Lei nº 11.106/ 2005, ou seja, o casamento tornou-se um tanto vulnerável, dando margens a tantos divórcios em razão da infidelidade conjugal, prática muito comum entre casais, fugindo dos padrões éticos morais, civis e religiosos. Conclui-se que o homem sempre teve tendências para práticas errôneas, e os castigos, demasiadamente aplicados, nunca foram modelos de correção. Cadeias e penitenciárias estão seriamente condenadas, cada vez mais, ao fracasso, pela falta de higienização, educação, trabalho profissionalizante, reeducação, espaço adequado. Todos esses fatores contribuem substancialmente para o aumento da criminalidade. O constante clamor de um povo por justiça eficiente, que seja capaz de banir a corrupção e destruir as bases que alimentam o crime organizado, que escraviza vidas inocentes pelo consumo excessivo de drogas, não cessa de ecoar. Nêmesis, Têmis, as Moiras e as Erínias, embora radicais, são um retrato fiel no cumprimento das leis e é o que realmente está faltando, a começar pelas camadas superiores que constituem os três poderes deste país. REFERÊNCIAS CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 16. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008. Erínias. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2011. Moiras: as escritoras do destino. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2011.