Mercado global de bem-estar sexual, que valia US$ 77 bilhões em 2021, deve crescer 4,55% por ano e chegar a US$ 112 bilhões. Pequenos varejistas apostam na comunicação e em novos públicos. Quem visita uma sex shop tradicional, especialmente em capitais menores do Brasil, parece que busca por algo ilícito, e não algo para melhorar o bem-estar sexual. Letreiros clichês podiam ser avistados da rua, mas a entrada e saída do estabelecimento costumam ser ocultas, por vezes separadas para proteger a privacidade dos clientes. Não é por acaso — e basta ir a um desses pontos de venda para constatar — que a freguesia é predominantemente masculina. As linhas de produtos são pensadas no prazer masculino heterossexual e a disposição dos itens é tão burocrática quanto a de qualquer supermercado. Entretanto esse mercado já vinha passando por um processo acelerado de mudança quando a pandemia catalisou a busca por itens de bem-estar sexual. O perfil da clientela mudou, o que abriu novas oportunidades de negócios. Mais mulheres passaram a buscar itens para facilitar o prazer e explorar o próprio corpo, assim como pessoas trans e de outras matizes de gênero e sexo. O mercado, que antes era de sex shops, passou a ser chamado de “sex wellness” — em bom português, bem-estar sexual. Bem-estar sexual: mercado deve faturar US$ 112 bilhões até 2030 Tudo isso veio em conjunto com a aceleração digital forçada pela pandemia. “Não era um mercado convidativo”, diz Lola Etelvina, co-fundadora da pantynova. A marca, que desenvolve e vende itens como vibradores, sugadores, strapons, lubrificantes íntimos e outros acessórios foi fundada em 2018 e faturou aproximadamente R$ 15 milhões em 2022. “Os produtos sempre traziam embalagens com corpos de mulheres hipersexualizadas, não eram desenvolvidos e pensados para satisfazerem os corpos e prazeres femininos e, de modo geral, eram de baixa qualidade e durabilidade”, lembra a outra sócia, Izabela Starling. Fernanda Lima, fundadora da loja potiguar Ponto G, traz a mesma visão. “Antigamente sex shops só vendiam pênis de borracha, lingeries e acessórios para o prazer masculino. Outra mudança foi no comportamento do cliente; antes, as pessoas só queriam visitar sex shops que eram escondidas, dentro de galerias ou em ruas mais afastadas”, lembra. As duas lojas são exemplos recentes de um mercado que não só vem se renovando, como também tem perspectivas otimistas. Estudos projetam um crescimento anual composto de 4,55% até 2030, quando o volume transacionado deverá atingir US$ 112 bilhões — o que, no câmbio atual, corresponde a R$ 580 bilhões. Mas não é qualquer negócio que conseguirá tirar o seu bocado desse bolo. Para saber quais produtos devem compor o estoque, como realizar ações promocionais bem-sucedidas e como garantir o retorno dos clientes, empreendedores e empreendedoras que quiserem entrar no ramo precisam dominar a comunicação com diferentes públicos — além de fazer o dever de casa diversificando os canais de venda, digitalizando processos e profissionalizando o atendimento. Para essa reportagem, o Administradores.com ouviu representantes da pantynova e da Ponto G para elaborar dois cases de empresas que estão se dando bem no mercado de sex wellness e podem dar alguns insights para quem quer investir no ramo. A fila quilométrica por um vibrador gratuito e o sucesso de uma ação simples Imagem: divulgação/Ponto G No início de fevereiro, a Ponto G, uma loja baseada em Natal (RN), prometeu a distribuição gratuita de mil vibradores para clientes pré-cadastradas e gerou 10,7 mil leads. A promoção de aniversário foi programada para acontecer ao longo do mês, mas encerrou em menos de 12 horas. O anúncio na página do Instagram pegou como fogo em palha seca. Em pouco tempo, o assunto dominou conversas pelo WhatsApp, o que indica que o marketing boca-a-boca foi bem sucedido e acabou virando pauta em rádios e blogs locais. A partir daí, a ação passou a contar com mídia espontânea. “O custo que eu tive foi com a compra dos vibradores para distribuir gratuitamente. O resto foi engajamento orgânico, as pessoas começaram a conversar no WhatsApp, depois foi para as rádios, para os blogs e TVs locais. A gente não esperava esse público todo em um único dia”, explica a fundadora Fernanda Lima. A distribuição não era exatamente gratuita: as interessadas precisavam preencher um formulário e seria entregue apenas um produto por CPF. Ou seja, a ação também visava gerar leads. A partir daí a ação quase saiu do controle. Até o dia da distribuição, 10.717 leads foram gerados — para apenas mil vibradores que seriam distribuídos. Como os produtos só seriam entregues enquanto durasse o estoque, a fila em frente à loja começou a se formar antes das 7h. Para fazer uma distribuição justa e seguindo as regras, foi necessário improvisar algumas fichas em papel. Até a hora do fechamento, às 20h, a loja teve a maior movimentação da sua história. Nos dias seguintes à ação, as vendas aumentaram até 4,5x e, em seguida, estacionaram em 3x na comparação com o volume até então considerado normal. Mesmo as clientes que foram à loja apenas pela distribuição acabaram levando outros produtos, o que acabou virando uma tática de cross selling que não estava no script. E não foi sorte de principiante. A aposta em conteúdos para desmistificar o sexo e potencializar as vendas é feita desde 2015, quando a Ponto G foi fundada e todo o estoque ficava nas prateleiras do quarto da única sócia. Lives no Facebook e Instagram com especialistas em ginecologia e sexualidade e posts informativos faziam parte do repertório comunicacional com custo financeiro zero. “A gente não teve educação sexual. Então mais do que vender produtos, queremos mostrar que existem outras possibilidades de sentir prazer sexual. Por exemplo, muitas mulheres associam o vibrador a um pênis, mas o modelo que usamos na ação é para estímulo externo, não penetração”, conta Fernanda. Prazer para todos os corpos: pantynova começou vendendo itens difíceis de encontrar Iza Starling e Lola Etelvina, fundadoras da pantynova (imagem: divulgação/pantynova) O investimento em comunicação inclusiva vem junto com uma maré favorável que se formou nos últimos anos. Na esteira de movimentos como o #MeToo, cujo foco era o assédio sexual, as pessoas passaram a buscar experiências sexuais que estivessem fora do alcance de relacionamentos abusivos. “Para que as pessoas mudassem seus pensamentos sobre sexualidade, foram necessários muitos debates e campanhas”, conta Lola Etelvina, uma das fundadoras da pantynova. Ela ajudou a fundar a empresa para suprir uma falta de produtos voltados para mulheres lésbicas. “Ao longo do tempo a gente foi expandindo porque havia mais públicos interessados. Entendemos que que há uma falha grande no mercado para atender pessoas LGBTQIA+”, lembra. Desde antes da fundação, a pantynova se baseia em estudos próprios de mercado para verificar para onde o interesse da clientela aponta — e, desde o início, as pessoas queriam escapar dos produtos e conceitos tradicionais. “Precisávamos ter certeza de que estávamos atendendo a todos os corpos. Fugir da estética de um pênis e ir para algo que pudesse atender a mais pessoas”, afirma Derek Derzevic, CMO e cofundador da pantynova. “Deixamos a comunidade liderar o que a gente precisa fazer, queremos que essa voz saia deles para termos mais assertividade no lançamento de produtos”, diz. A proposta deu certo. A empresa chegou ao seu breakeven ainda no primeiro mês de operações e sempre se financiou a partir do próprio caixa, sem empréstimos ou aportes de fundos privados. No início da pandemia, a loja enfrentou uma crise por conta do excesso repentino de demanda. “Foi quebra de estoque atrás de quebra. Eram só quatro pessoas na operação, não tivemos tempo de contratar ninguém. Houve uma explosão de vendas e o mercado ficou sem produtos. As coisas só estabilizaram um ano depois”, detalha Lola. A crise, no entanto, validou o negócio, que passou a focar na comunicação e em ações de marketing mais ousadas e fora da curva. No carnaval deste ano, por exemplo, uma vending machine chamada de Kinga — uma gíria comum no meio queer — foi instalada em um bar da Vila Madalena. Além das vendas em si, a ideia é aproximar a marca de potenciais clientes. Imagem: divulgação/pantynova O próximo passo é ampliar as vendas B2B. Grandes varejistas, com Sephora e Renner, estão ampliando o escopo para vender produtos íntimos, o que representa uma oportunidade para quem tem experiência no mercado de bem-estar sexual.