Quanto mais automatizadas ficam as candidaturas, mais decisivo vira o olhar atento da liderança para separar performance de competência real Recrutar sempre foi uma mistura de eficiência e intuição. Mas, nos últimos meses, essa balança mudou. A inteligência artificial acelerou o comportamento dos candidatos a um ponto em que o processo de seleção virou uma corrida desigual. Aplicações em massa, currículos 'turbinados' e entrevistas online cada vez mais encenadas estão puxando o recrutamento para um paradoxo curioso: quanto mais tecnologia entra, mais contato humano volta a ser necessário. Segundo um relatório da Greenhouse, empresa de software de contratação que ouviu mais de 4.100 candidatos, recrutadores e gestores nos EUA, Reino Unido, Irlanda e Alemanha, existe uma relação inversa entre adoção de IA e confiança no processo seletivo. À medida que o uso de IA cresce, a confiança cai. E a consequência prática já apareceu nas agendas: mais de dois terços dos hiring managers disseram estar mais envolvidos no recrutamento do que no ano anterior. Nos EUA, 39% afirmaram estar fazendo mais entrevistas presenciais do que antes. A nova onda de candidaturas 'maquiadas' A IA virou um motor de escala para quem busca emprego. Ferramentas automatizam disparos de candidaturas em volumes impossíveis para um ser humano, e isso infla a triagem com o que o próprio mercado já chama de 'slop': aplicações falsas, genéricas ou artificialmente otimizadas. O efeito em cadeia cai sobre o RH, que precisa filtrar mais, investigar mais e decidir com menos clareza. O relatório detalha que candidatos estão usando IA não só para escrever currículos, mas para manipular a própria performance em entrevistas digitais. Entre os candidatos dos EUA, 36% disseram ter usado IA para ajustar aparência, voz ou fundo de tela em entrevistas por vídeo. Outros 32% seguiram roteiros feitos por IA, e 18% admitiram ter tentado uma persona alternativa por deepfake. Ajustar iluminação ou cenário pode ser inofensivo, mas alterar voz e imagem desloca o processo para uma zona cinzenta de autenticidade. Ver todos os stories 6 hábitos que sabotam seu crescimento O nordestino que ousou fazer o impossível O que está em jogo com a 'PEC da Blindagem' Uma verdade sobre suas assinaturas de streaming que você não vê Boninho, The Voice e a lição da reinvenção Desconfiança em alta e risco de bons talentos sumirem Do lado dos gestores, a sensação é de alerta permanente. Noventa e um por cento dos hiring managers dos EUA disseram já ter flagrado ou suspeitado de algum tipo de 'deturpação' feita com IA em candidaturas. E só 21% se dizem muito confiantes de que sistemas automatizados não estejam descartando bons candidatos sem perceber. A preocupação aumentou rápido. Setenta e quatro por cento afirmam estar mais inquietos com credenciais falsas ou experiências exageradas do que estavam há um ano. Para metade deles, autenticidade virou a principal dor do recrutamento, e quase um terço relatou ter apertado as etapas de revisão interna. A mensagem é clara: a IA elevou a eficiência do candidato, mas também elevou o custo de verificação para a empresa. O que a liderança precisa ajustar agora Para negócios que contratam com frequência, o primeiro impacto é operacional. Seu time de RH pode estar lidando com uma tarefa muito mais pesada do que a de anos anteriores, tanto pelo volume quanto pela necessidade de checar se a pessoa é quem diz ser e sabe o que diz saber. Ignorar isso é empurrar um problema real para dentro de casa. O segundo impacto é estratégico. A empresa precisa decidir qual será sua postura diante do uso de IA pelos candidatos. Dá para fingir que não existe, torcendo para que o filtro final resolva. Dá para proibir e deixar isso explícito. Ou dá para aceitar, desde que a honestidade seja preservada. Essa escolha não é só técnica, é cultural. E deve ser tomada em diálogo com o RH, porque define o tipo de talento que você atrai e o nível de confiança que sustenta o processo. No fim, a IA não eliminou o fator humano na seleção. Ela reposicionou seu valor. Quanto mais automatizadas ficam as candidaturas, mais decisivo vira o olhar atento da liderança para separar performance de competência real. Em um mercado movido a tecnologia, confiança virou o novo diferencial competitivo do recrutamento.