Iniciativas fazem parte de uma estratégia mais ampla para encorajar os cidadãos chineses a gastar mais O governo chinês anunciou uma série de medidas para estimular o consumo interno e tentar reverter a desaceleração econômica que tem impactado o país. Entre as ações, estão novos subsídios para cuidados infantis, aumentos salariais e licenças remuneradas mais vantajosas. Além disso, Pequim implementou um programa de descontos de US$ 41 bilhões para incentivar a compra de diversos produtos, desde eletrodomésticos e móveis até veículos elétricos e smartwatches. Essas iniciativas fazem parte de uma estratégia mais ampla para encorajar os cidadãos chineses a gastar mais. O problema é que, até o momento, a população tem demonstrado relutância em abrir a carteira. Embora os dados divulgados na última segunda-feira indiquem um crescimento de 4% nas vendas no varejo nos dois primeiros meses de 2025, os preços de imóveis novos e usados continuam a cair, com poucas exceções em cidades como Xangai. Diferente do que ocorreu nos Estados Unidos e em outras economias globais, onde a inflação se tornou um desafio pós-pandemia, a China enfrenta o problema oposto: a deflação. Nos últimos dois anos, os preços caíram continuamente por 18 meses, refletindo uma baixa demanda dos consumidores. O perigo da deflação e o impacto na economia Embora a queda de preços possa parecer benéfica para os consumidores à primeira vista, ela representa um grande risco para a economia. Quando as pessoas reduzem seus gastos, as empresas diminuem os preços para atrair compradores, reduzindo suas margens de lucro. Como consequência, contratações são interrompidas, salários estagnam e o crescimento econômico desacelera ainda mais. Esse cenário é especialmente preocupante para a China, que já enfrenta desafios significativos, como uma crise prolongada no setor imobiliário, altos níveis de endividamento governamental e aumento do desemprego. A recuperação do consumo interno se tornou uma prioridade para o presidente Xi Jinping, especialmente diante do impacto negativo que novas tarifas dos Estados Unidos podem ter sobre as exportações chinesas. Medidas para impulsionar o consumo interno Para reverter essa situação, Pequim encerrou sua mais recente sessão do Congresso Nacional do Povo com um plano econômico que inclui investimentos em programas sociais e estímulos à economia. No entanto, os detalhes ainda são escassos, e analistas apontam que essas medidas podem não ser suficientes para mudar a mentalidade do consumidor chinês. Atualmente, cerca de um quarto da força de trabalho da China é composta por trabalhadores migrantes de baixa renda, que têm acesso limitado aos benefícios urbanos e são mais vulneráveis a períodos de instabilidade econômica. Durante a década de 2010, o aumento dos salários mascarou parte desses problemas, com a renda média crescendo cerca de 10% ao ano. Entretanto, com a desaceleração desse crescimento nos anos 2020, a poupança voltou a ser uma prioridade para muitas famílias. O governo chinês tem focado em iniciativas de curto prazo, como incentivos para a troca de eletrodomésticos e eletrônicos, mas ainda não ampliou significativamente os benefícios sociais. Para especialistas, o grande entrave para a recuperação do consumo é a incerteza econômica. O colapso do mercado imobiliário, por exemplo, afetou a confiança da população, que tradicionalmente investe grande parte de sua riqueza em propriedades. Sem sinais claros de recuperação desse setor, os chineses continuam poupando ao invés de gastar. A cultura da poupança e os desafios do consumo O governo também busca enfrentar desafios de longo prazo, como a queda na taxa de natalidade. Um estudo realizado em 2024 pelo think tank chinês YuWa mostrou que criar um filho na China até a idade adulta custa 6,8 vezes o PIB per capita do país, um dos índices mais altos do mundo. Esse custo elevado tem levado cada vez mais jovens casais a desistirem da ideia de ter filhos, o que reduz ainda mais o potencial de crescimento da economia a longo prazo. O hábito de poupar sempre fez parte da cultura chinesa. Em 2024, mesmo com uma economia em dificuldades, as famílias chinesas conseguiram economizar 32% de sua renda disponível. Para efeito de comparação, o consumo interno é responsável por mais de 80% do crescimento econômico nos Estados Unidos e no Reino Unido, e cerca de 70% na Índia. Na China, essa fatia tem oscilado entre 50% e 55% na última década. Se no passado esse padrão de consumo mais baixo não era um problema, agora ele se tornou um obstáculo para o crescimento. O declínio das compras e o aumento da poupança são reflexos da incerteza da população, e Pequim precisará de mais do que incentivos pontuais para reverter esse comportamento. Um novo modelo econômico ou mais do mesmo? Mesmo nos tempos áureos do consumo chinês, o setor nunca se igualou à importância das exportações. O modelo de crescimento do país sempre esteve baseado no comércio internacional, impulsionado por investimentos maciços em infraestrutura e uma força de trabalho de baixos salários. Agora, com a diversificação das cadeias de suprimentos e a redução da dependência global dos produtos chineses, o governo de Xi Jinping está buscando novas fontes de crescimento. O presidente já declarou que deseja tornar a demanda interna o principal motor da economia, e alguns representantes do governo defendem que mesmo um pequeno aumento no consumo pode gerar um impacto significativo. No entanto, analistas alertam que mudar o comportamento dos consumidores exigiria uma transformação estrutural na economia chinesa, algo que pode não estar nos planos do Partido Comunista. Michael Pettis, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace, destaca que o baixo nível de consumo da China não é um acidente, mas sim um pilar do modelo econômico do país. Para mudar essa dinâmica, seria necessário um realinhamento político, financeiro e empresarial – um processo complexo e pouco provável no curto prazo. Outro ponto crítico é que o sistema financeiro chinês depende das poupanças da população para financiar setores estratégicos, como inteligência artificial e tecnologia de ponta, que são fundamentais para a competição global com os Estados Unidos. Isso gera um dilema: estimular o consumo pode enfraquecer a base de financiamento de setores considerados prioritários pelo governo. Por isso, há dúvidas sobre até que ponto Pequim realmente deseja criar uma economia orientada ao consumo. A China já passou por uma grande transformação ao abrir sua economia para o comércio global e atrair investimentos estrangeiros no passado, mas ainda não está claro se Xi Jinping pretende repetir essa estratégia para impulsionar o crescimento interno.