Se uma empresa deixa a cultura no piloto automático, ela tende a virar um ringue interno Em boa parte do mundo corporativo, a lógica ainda é simples: competir para vencer ou desaparecer. Só que, diante de um ambiente cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, alguns líderes começam a inverter o jogo. Em vez de reforçar disputas internas e externas, eles estão apostando em colaboração como vantagem competitiva. Essa virada tem um motivo prático. Dentro das empresas, a colaboração costuma ser celebrada no discurso, mas minada na rotina. Promoções, reconhecimento e visibilidade ainda são distribuídos como troféus individuais. O resultado é uma organização onde colegas viram rivais, a confiança cai e o esforço coletivo perde força justamente quando a pressão fora da empresa exige times mais coesos. O que significa 'descompetir' na prática O conceito central aqui é 'uncompete', ou descompetir. Trata-se de uma escolha deliberada de reduzir a competição interna e desenhar condições reais para que a colaboração aconteça. Isso não é ingenuidade gerencial. É cultura intencional, sustentada por comportamentos claros, incentivos alinhados e rituais cotidianos. Um primeiro passo está em entender que inveja é inevitável em ambientes de alto desempenho. Mas ela pode ter dois efeitos diferentes. A inveja benigna motiva. Faz alguém olhar um colega indo bem e pensar 'eu também posso chegar lá'. Já a inveja maliciosa destrói, porque move pessoas a sabotar a conquista alheia. Líderes que estimulam colaboração aprendem a canalizar a primeira e desarmar a segunda. Uma forma eficiente é valorizar o caminho, não só o resultado. Quando a liderança destaca o esforço, a disciplina e o processo coletivo por trás de uma vitória, transforma comparação em inspiração, não em ameaça. Ver todos os stories 6 hábitos que sabotam seu crescimento O nordestino que ousou fazer o impossível O que está em jogo com a 'PEC da Blindagem' Uma verdade sobre suas assinaturas de streaming que você não vê Boninho, The Voice e a lição da reinvenção Recompensas e limites que fortalecem o time Outro pilar é o desenho dos incentivos. Em culturas individualistas, só as conquistas pessoais viram mérito visível. A mensagem implícita é que vale mais brilhar sozinho do que construir com o grupo. Para descompetir, o líder precisa tornar a colaboração uma métrica explícita de reconhecimento, desenvolvimento e promoção. Isso inclui pedir exemplos objetivos de cooperação em avaliações, criar metas compartilhadas e programas de incentivo vinculados ao desempenho coletivo. Há indícios de que isso funciona. Um estudo mostra que equipes com incentivos grupais aumentaram sua performance mais do que equipes recompensadas apenas individualmente. A lógica é direta: quando o prêmio depende do time, o time começa a se comportar como time. Mas colaboração não se sustenta em ambiente de escassez permanente. Culturas sempre ligadas, que glorificam longas jornadas e resposta imediata, aumentam a sensação de falta de tempo e recursos. Isso alimenta competição por espaço, atenção e sobrevivência. Ao modelar limites saudáveis de trabalho, lideranças sinalizam que ninguém precisa disputar exaustão para ser valorizado. Descanso vira regra cultural, não concessão. Modelos de trabalho que induzem cooperação Além de incentivos e limites, descompetir envolve redesenhar como o trabalho acontece. Um exemplo é o job-sharing, quando duas pessoas dividem um papel com responsabilidade conjunta. Essa prática, estudada por Claudia Goldin, também aparece como caminho para mais flexibilidade e menos assimetria interna. Em empresas onde funções podem ser compartilhadas, ganha-se continuidade, redundância positiva e senso de propriedade coletiva. Outro modelo eficaz é o de equipes pequenas e multifuncionais, com autonomia real sobre um produto ou objetivo. Até no topo da hierarquia a colaboração pode virar estrutura, com lideranças compartilhadas. Pesquisas sobre co-CEOs indicam que, quando há divisão clara de responsabilidades e normas de decisão bem desenhadas, o modelo pode reforçar inovação e resultados. No fim, a tese é simples: se a empresa deixa a cultura no piloto automático, ela tende a virar um ringue interno. Descompetir exige intenção. Significa premiar cooperação, evitar escassez artificial, redesenhar papéis e mostrar, na prática diária, que o sucesso é coletivo. Em tempos de transformação acelerada, essa pode ser uma das estratégias mais inteligentes para seguir competitivo sem implodir por dentro.