Entenda como ideias viram senso comum e influenciam decisões coletivas, do rei nu ao papel higiênico O que exatamente é conhecimento comum? E de onde ele vem? A pergunta parece abstrata, mas atravessa a vida cotidiana. Sabemos que é educado dizer 'saúde' quando alguém espirra. Sabemos quando rir numa conversa, quando aplaudir numa apresentação, quando estocar papel higiênico numa crise. Mesmo sem perceber, seguimos roteiros compartilhados. Quem investiga isso a fundo é Steven Pinker no livro When Everyone Knows That Everyone Knows (Scribner, 2025), indicado por Bill Gates como uma de suas leituras favoritas recentes e recomendado para este inverno. A obra analisa como informações se tornam conhecimento comum, isto é, quando não apenas sabemos algo, mas sabemos que os outros também sabem, e sabemos que eles sabem que sabemos. Esse detalhe muda o comportamento coletivo. O momento em que todos percebem que todos percebem Para explicar como o conhecimento comum nasce, Pinker recorre a um exemplo clássico: 'A roupa nova do rei', de Hans Christian Andersen. Na história, dois vigaristas convencem um imperador vaidoso de que produziram uma roupa invisível aos burros e incompetentes. A roupa não existe, mas ninguém quer correr o risco de parecer tolo. O imperador finge ver o traje. Seus cortesãos fingem também. A cidade inteira elogia o figurino inexistente. A virada vem quando uma criança grita o óbvio: o rei está nu. De repente, a percepção individual vira um fato público. Cada pessoa entende que os outros também enxergam o mesmo vazio. A verdade ganha permissão social para circular. É aí que o conhecimento se torna comum, e não apenas privado. Pinker usa essa dinâmica para mostrar como normas se consolidam, como tabus caem e até como revoluções começam. A opinião solitária vira coro quando fica claro que não é solitária. O curioso caso do papel higiênico O livro também mostra como o conhecimento comum pode gerar profecias autorrealizáveis. Bill Gates destaca um caso que o intrigava havia anos: por que faltam rolos de papel higiênico em emergências, se a indústria não costuma ter problemas de produção? A origem moderna desse pânico coletivo, segundo Pinker, remonta a 1973. Num monólogo do The Tonight Show, Johnny Carson brincou sobre um suposto sumiço de papel higiênico nos supermercados. Era piada, mas muita gente correu às compras. Alguns não entenderam o tom. Outros entenderam, mas imaginaram que quem não entendeu iria comprar tudo. Então correram também. Resultado: a compra preventiva virou corrida de manada e criou uma escassez real. A piada virou fato porque as pessoas acreditaram que outras pessoas acreditariam. Por que isso importa para negócios Esse olhar sobre como ideias se espalham ajuda a entender o comportamento de grupos em mercados e organizações. Quando um produto 'vira tendência', raramente é só por utilidade. É porque se torna socialmente óbvio que ele importa. O mesmo vale para reputação, confiança e medo. Se consumidores percebem que 'todo mundo está falando' de algo, isso muda a decisão de compra, mesmo antes de qualquer análise racional. Pinker sugere que, para transformar uma opinião em padrão coletivo, não basta convencer indivíduos. É preciso criar sinais públicos de adesão. Mostrar que a ideia já circula, que já foi testada, que pessoas semelhantes estão adotando. Conhecimento comum não nasce apenas da verdade, mas da visibilidade da verdade. O poder invisível do que 'todos sabem' Ao reunir exemplos como o do imperador e o do papel higiênico, o livro mostra que a força do conhecimento comum está menos na informação em si e mais no modo como ela atravessa o grupo. As pessoas mudam quando percebem que não estão sozinhas naquilo que pensam. Em tempos de redes sociais, crises rápidas e mercados voláteis, entender esse mecanismo deixa de ser curiosidade acadêmica e vira ferramenta prática para liderar narrativas, produtos e culturas.