Em um mercado onde as pessoas ficam por medo, e não por escolha, o desafio da liderança não é apenas reter talentos, mas evitar que eles permaneçam esgotados A economia segue instável. A adoção acelerada da inteligência artificial, tarifas, custos crescentes e um mercado de trabalho mais frio fizeram muitas empresas pisarem no freio das contratações. Com demissões em alta e menos vagas abertas, cada vez menos pessoas estão pedindo demissão. Em vez disso, estão 'abraçando' o emprego atual e permanecendo onde estão ao longo de 2026. O problema é que, na maioria dos casos, esse abraço não tem nada de confortável. Dados recentes mostram que o engajamento global dos funcionários caiu para 21%. Ao mesmo tempo, um estudo com mil trabalhadores nos Estados Unidos revelou que 44% relatam angústia no trabalho, mesmo demonstrando intenção de permanecer na empresa. Em outras palavras, muita gente fica não porque quer, mas porque sente que não pode sair. Segundo especialistas, esse comportamento vem sendo chamado de job hugging: permanecer no cargo por insegurança, não por satisfação. Quando ficar vira mecanismo de defesa De acordo com Erin Eatough, especialista em psicologia organizacional, o job hugging é uma resposta de autoproteção. O funcionário tenta passar despercebido, mostra que está 'fazendo tudo certo' e evita qualquer movimento que possa colocá-lo em risco. Em ambientes marcados por demissões, isso se traduz em comportamentos como trabalhar além do horário, participar de reuniões opcionais, elogiar lideranças e assumir tarefas extras. O problema é que esse esforço, quando não vem acompanhado de motivação genuína, costuma levar direto ao esgotamento. Anthony Klotz, professor de comportamento organizacional, alerta que dar sempre mais em um trabalho que não traz satisfação é um caminho quase inevitável para o burnout. A pessoa permanece, mas emocionalmente já está distante. O impacto silencioso no desempenho Quando a principal motivação passa a ser apenas manter o salário, o esforço discricionário cai. O funcionário entrega o mínimo necessário, a produtividade diminui e o engajamento despenca. Aos poucos, isso afeta algo mais profundo: o senso de valor pessoal. As pessoas querem se sentir úteis, sentir que o tempo investido no trabalho faz sentido. Quando essa conexão se perde, a frustração cresce e começa a contaminar outras áreas da vida. O cansaço mental se acumula, a energia para atividades fora do trabalho desaparece e instala-se um ciclo de exaustão difícil de romper. Com o tempo, o efeito também aparece nas relações profissionais. Ao focar apenas na própria sobrevivência, o investimento em colaboração e confiança diminui. Isso abre espaço para o cinismo, prejudica a carreira no longo prazo e enfraquece o ambiente organizacional. Quando o abraço vira aperto Sentir-se preso a um emprego não é algo novo. Em algum momento da carreira, quase todo profissional passa por isso. O que diferencia o job hugging é o contexto: um mercado desfavorável, poucas oportunidades e a sensação de que sair não é uma opção viável agora. Diante dessa ameaça, o cérebro humano busca estabilidade. O emprego, mesmo insatisfatório, representa essa âncora. E, em períodos de incerteza, mudar parece arriscado demais. As alternativas são limitadas. Uma delas é conversar com o gestor e tentar melhorar a situação, o que nem sempre é fácil para quem já se sente desmotivado ou inseguro. Outra é tentar ressignificar o trabalho, focando nos aspectos positivos e ignorando o que pesa mais. Há ainda quem reduza gradualmente o esforço extra, redefinindo limites e adotando uma postura mais contida. Esperar também é uma estratégia No fim, para muitos profissionais, o job hugging é uma forma de controle de danos. Permanecer até que o cenário mude, até que novas oportunidades surjam ou até que a própria relação com o trabalho se transforme. Alguns conseguem atravessar esse período, aliviar o aperto e encontrar uma forma mais estável de seguir. Outros, porém, acumulam desgaste até que a saída se torne inevitável. Passar oito horas por dia em um trabalho que drena energia tem um custo alto — para o indivíduo e para as empresas. Ignorar esse movimento é um erro. Em um mercado onde as pessoas ficam por medo, e não por escolha, o desafio da liderança não é apenas reter talentos, mas evitar que eles permaneçam esgotados, desconectados e apenas sobrevivendo.