O equilíbrio não é meio termo preguiçoso. É estratégia para transformar a IA em aliada da performance, e não em gatilho de desgaste A fábula da Cachinhos Dourados parece antiga, mas continua útil para entender dilemas do mundo moderno. Em um cotidiano tomado por tecnologia, a lição do 'nem de mais, nem de menos' permanece atual. Agora, ela reaparece em um tema central para empresas que buscam produtividade: a adoção de inteligência artificial no trabalho. A pergunta deixou de ser se a IA deve entrar na operação. A questão real é quanto e como ela entra sem gerar efeito contrário. Segundo estudo publicado no Journal of Management Studies, a relação entre uso de IA e satisfação no trabalho não é linear. Ao analisar dados de mais de 500 empresas abertas nos Estados Unidos, os pesquisadores identificaram que companhias com adoção muito baixa ou muito alta apresentaram níveis menores de satisfação entre funcionários do que aquelas que estavam no meio da escala. Em outras palavras, existe um ponto de equilíbrio associado a mais bem-estar e, por consequência, a mais produtividade. Por que excesso e escassez geram frustração O resultado faz sentido quando olhamos para o que acontece na prática. Em ambientes onde a IA é pouco usada, muitos profissionais sentem que estão ficando para trás. Eles veem o potencial de ferramentas que poderiam reduzir esforço operacional, acelerar entregas e liberar tempo, mas a empresa bloqueia ou desestimula o uso. Isso gera irritação e até um movimento paralelo: pessoas usando IA por conta própria, escondidas, para dar conta do volume de trabalho. No extremo oposto, o excesso de IA também cobra um preço. Empresas que pressionam equipes a usar inteligência artificial em tudo podem estar reforçando uma cultura de alta cobrança, mais parecida com uma esteira acelerada do que com uma transformação saudável. O problema piora quando a velocidade do rollout não vem acompanhada de treinamento. A ferramenta chega como obrigação antes de virar competência, e a sensação que fica é de que a IA não ajuda, só aumenta expectativa por resultados. Ver todos os stories 6 hábitos que sabotam seu crescimento O nordestino que ousou fazer o impossível O que está em jogo com a 'PEC da Blindagem' Uma verdade sobre suas assinaturas de streaming que você não vê Boninho, The Voice e a lição da reinvenção O papel da cultura e da confiança Outro achado importante do estudo é que o impacto da IA depende do tipo de cultura organizacional. Empresas mais exploratórias, flexíveis e abertas a risco conseguem sustentar níveis maiores de adoção sem queda de satisfação. Já organizações menos experimentais sofrem mais cedo com desengajamento. Isso indica que não basta decidir uma meta de uso. É preciso avaliar se o ambiente dá espaço para a tecnologia ser aprendida, testada e incorporada sem medo. A governança de dados também aparece como fator decisivo. Em empresas com políticas fortes de qualidade, transparência e gestão de dados, a satisfação varia menos quando a IA cresce. Em empresas com governança frágil, a insatisfação sobe mais rápido. O sentido é claro: quando o funcionário confia nos dados e no propósito da adoção, ele usa a ferramenta com segurança. Se não confia, interpreta a IA como risco, vigilância ou ameaça. A nova camada trazida pela IA generativa O estudo analisou o período de 2009 a 2020, antes da explosão de ferramentas generativas como os sistemas atuais. Ainda assim, uma pesquisa mais recente, o PwC 2025 Global Workforce Hopes & Fears Survey, reforça a ideia do 'ponto certo'. Ela mostra que quem usa IA diariamente relata maior produtividade do que quem usa pouco. A diferença não está apenas no uso em si, mas no contexto: pessoas que usam com frequência tendem a estar em ambientes onde a IA é vista como apoio real, não como cobrança vazia. Isso faz a moderação ganhar uma leitura mais sofisticada. Não se trata de usar pouco ou de evitar intensidade. Trata-se de garantir que o uso alto aconteça com preparação, autonomia e clareza de propósito. Onde isso existe, a IA vira vantagem. Onde não existe, ela vira peso. A dose certa é uma escolha de liderança A conclusão prática para empresas é direta. Se você quer que sua equipe use IA, defina expectativas realistas sobre onde e quanto ela deve entrar. Explique publicamente essa lógica, treine na mesma velocidade em que implementa e mantenha a autonomia das pessoas para decidir como usar. Pressionar demais derruba satisfação. Impedir demais cria frustração. O equilíbrio não é meio termo preguiçoso. É estratégia para transformar a IA em aliada da performance, e não em gatilho de desgaste.