Adotar IA não é só comprar tecnologia. É construir confiança. E isso passa por transparência radical, treinamento objetivo e decisões com gente no circuito A corrida das empresas para adotar inteligência artificial ganhou um novo capítulo: a desconfiança dos funcionários está virando um risco real para a reputação corporativa. Um levantamento da SHL, empresa de talent management, mostra que a base da pirâmide até reconhece o valor de eficiência da IA, mas rejeita seu uso quando o assunto é contratação, avaliação de desempenho e decisões que mexem com o futuro profissional. O recado é claro: sem transparência e treinamento, a IA pode soar mais impessoal do que inovadora. O que os números dizem sobre confiança A pesquisa traz um dado que chama atenção logo de saída. Nos Estados Unidos, 74% dos trabalhadores afirmam que ter sido entrevistado por um agente de IA pioraria sua percepção sobre a empresa. Quase quatro em cada dez explicam isso porque enxergam esse tipo de entrevista como impessoal. No pano de fundo, está um problema maior: apenas 27% dizem confiar plenamente que o empregador usa IA de forma responsável. A resistência não se limita à etapa de seleção. Mais da metade dos entrevistados preferiria que humanos revisassem candidaturas, não algoritmos. E 59% acreditam que a IA está piorando os vieses no processo seletivo. Quando o tema é desempenho interno, o desconforto cresce: 58% não querem IA avaliando seu trabalho ou tomando decisões com impacto de longo prazo na carreira. Para 53%, a tecnologia ameaça 'o toque humano'. Há ainda um grupo menor, mas barulhento: 21% gostariam que a IA simplesmente desaparecesse, com retorno a práticas mais centradas em pessoas. Em resumo, os funcionários parecem aceitar a velocidade da IA, mas não sua autonomia. Como a própria SHL aponta, a sensação dominante é que a tecnologia não tem bom julgamento sem envolvimento humano. Ver todos os stories 6 hábitos que sabotam seu crescimento O nordestino que ousou fazer o impossível O que está em jogo com a 'PEC da Blindagem' Uma verdade sobre suas assinaturas de streaming que você não vê Boninho, The Voice e a lição da reinvenção Treinamento é a ponte entre curiosidade e adesão Ao mesmo tempo, o estudo derruba um mito comum de que trabalhadores são avessos à IA em si. Quase metade quer se qualificar para lidar melhor com essas ferramentas. Cerca de um em cada dois faria cursos online para aprender habilidades ligadas à IA, e 29% dizem que usariam até tempo pessoal para ganhar fluência. O obstáculo é conceitual: um em cada quatro não sabe exatamente o que 'habilidades de IA' significa. Ou seja, existe disposição, mas falta orientação. A sensação de guia ausente se soma à insegurança sobre limites, riscos e vieses. E isso fica mais sensível justamente onde o indivíduo se sente mais vulnerável: ser contratado, avaliado ou promovido. O risco reputacional para empresas O estudo sugere que empresas podem se posicionar rapidamente como inovadoras ou impessoais, dependendo de como usam IA. A mensagem não é 'parem com a IA', mas 'expliquem melhor a IA'. Funcionários aceitam ferramentas que aumentam consistência e produtividade, desde que as regras estejam claras e exista supervisão humana, sobretudo em decisões que afetam trajetórias profissionais. No fim, essa tensão expõe um descompasso: a linha de frente parece mais consciente das limitações e possíveis injustiças dos sistemas do que muitos gestores. Se a liderança empurra a adoção sem mostrar responsabilidade, corre o risco de afastar bons candidatos e estimular a fuga de talentos internos para empresas percebidas como mais confiáveis. A conclusão prática é simples: adotar IA não é só comprar tecnologia. É construir confiança. E isso passa por transparência radical, treinamento objetivo e decisões com gente no circuito. Sem isso, o 'futuro do trabalho' pode virar, para muitos, só mais uma ameaça travestida de modernidade.