Para gestores, a questão central não é identificar supostas 'abelhas-rainhas', mas revisar o ambiente que torna esse comportamento funcional Durante décadas, a figura da 'abelha-rainha' circulou no imaginário corporativo. A narrativa é conhecida: uma mulher rompe o teto de vidro, chega ao topo e, em vez de apoiar outras mulheres, passa a bloqueá-las. Torna-se fria, territorial, hostil. A imagem é forte e, justamente por isso, persiste. Ela oferece uma explicação simples para a desigualdade de gênero no trabalho, deslocando o problema do sistema para o comportamento feminino. O problema é que, quando observamos os dados com atenção, essa explicação não se sustenta. O termo 'abelha-rainha' surgiu em 1973, a partir de um estudo que analisava mulheres em ambientes altamente dominados por homens. Mesmo naquela pesquisa original, o comportamento descrito não era tratado como maldade ou rivalidade pessoal, mas como adaptação. Em contextos onde havia espaço para apenas uma mulher no topo, estratégias de sobrevivência se tornavam necessárias. Em um jogo de soma zero, proteger o próprio lugar podia parecer a única opção. O custo invisível da adaptação Décadas depois, o que era uma observação situacional virou um rótulo de personalidade. Pesquisas mais recentes ajudam a recolocar o debate nos trilhos. Um estudo de 2024 analisou o impacto do distanciamento de líderes mulheres em relação a outras mulheres. O resultado foi revelador: quem sofre as consequências são as mulheres em cargos abaixo, que passam a sentir menor pertencimento, menos ambição de liderança e maior intenção de deixar a empresa. Homens subordinados, por outro lado, praticamente não são afetados. Isso indica que o distanciamento não nasce de rivalidade, mas de pressão cultural. Mulheres que enfrentaram discriminação no início da carreira aprendem, muitas vezes, que se alinhar ao grupo dominante é a forma mais segura de avançar. Esse alinhamento pode parecer dureza excessiva, recusa em mentorar ou hipercompetência. Na prática, trata-se de uma armadura, não de hostilidade deliberada. Quando identidade vira risco Revisões acadêmicas mais amplas propõem abandonar o termo 'abelha-rainha' e substituí-lo por algo mais preciso: distanciamento do próprio grupo. Esse comportamento aparece em qualquer grupo sub-representado quando a identidade passa a ser percebida como um risco profissional. Não é um fenômeno exclusivo das mulheres. É um efeito direto da escassez de espaço e de oportunidades. Basta uma pergunta para entender o contexto: quantas mulheres estão, de fato, na sala onde as decisões são tomadas? Em muitos casos, a resposta é uma ou duas. Nesses ambientes, a pressão para provar que se é 'diferente das outras' é intensa. Distanciar-se vira uma forma de sinalizar competência em um sistema que ainda associa liderança a padrões masculinos. O que muda quando a escassez acaba Curiosamente, esse padrão quase desaparece quando mulheres deixam de ser exceção. Organizações com múltiplas mulheres em cargos de liderança apresentam mais patrocínio interno, pipelines mais saudáveis e menos conflitos atribuídos a gênero. Quando ninguém é 'a única', o incentivo ao distanciamento simplesmente perde força. Relatos de carreira ajudam a ilustrar isso. Muitas líderes rotuladas como 'duras' ou 'frias' receberam, repetidas vezes, feedbacks de que eram 'boazinhas demais' ou 'pouco firmes'. Ao eliminar qualquer traço associado ao estereótipo feminino, elas buscavam proteger não só a própria posição, mas também a credibilidade de quem viesse depois. O verdadeiro alerta para líderes Para gestores, a questão central não é identificar supostas 'abelhas-rainhas', mas revisar o ambiente que torna esse comportamento funcional. Representatividade real, critérios claros de avaliação, reconhecimento de colaboração e atenção aos micro sinais do dia a dia são fatores decisivos. Quando um conflito entre mulheres surge, a pergunta mais produtiva não é 'o que há de errado com ela?', mas 'o que neste sistema fez o distanciamento parecer necessário?'. O mito da rainha abelha persiste porque é simples. A realidade organizacional não é. Em ambientes hostis, pessoas se protegem. Em ambientes saudáveis, elas se apoiam. No fim, a 'abelha-rainha' não é um alerta sobre mulheres. É um alerta sobre a cultura da empresa.