Construir uma harmonia possível, em que trabalho e vida se encaixem sem se destruírem, é uma ambição bem mais realista Por anos, empreendedores ouviram que o objetivo deveria ser alcançar 'equilíbrio' entre trabalho e vida pessoal. Jornada controlada, fronteiras rígidas, metade do tempo para cada lado. Na prática, quase ninguém vive assim. E cada vez mais líderes começam a dizer em voz alta o que muitos já sentem: talvez este modelo nunca tenha feito sentido. Em entrevista recente ao podcast Aspire, o presidente da Shopify, Harley Finkelstein, classifica work-life balance como um 'termo equivocado'. Para ele, o que as pessoas realmente deveriam buscar é work-life harmony. Em vez de imaginar uma balança perfeita, a ideia é aceitar que a vida funciona em ciclos, e que algumas fases puxam mais para o trabalho, outras mais para o lado pessoal. Por que o 'equilíbrio' virou fantasia O conceito clássico de equilíbrio sugere uma divisão quase matemática do tempo: tantas horas de trabalho, tantas horas de vida pessoal, tudo bem separado. Só que a realidade de negócios de alto crescimento, startups e carreiras ambiciosas raramente cabe nessa divisão idealizada. Finkelstein admite que, antes de casar e ter filhos, conseguia trabalhar 80 horas por semana. Quando se tornou pai, essa conta deixou de fechar. O volume de trabalho precisou se ajustar a uma nova fase de vida, o que desmonta a ideia de um 'equilíbrio estático' válido para sempre. Cada estágio exige uma configuração diferente. Harmonia: mais ritmo, menos matemática Na visão de Finkelstein, harmonia significa construir um arranjo em que os diferentes papéis da vida coexistem de forma sustentável ao longo do tempo. Ele mesmo dá um exemplo simples: há sábados em que precisa trabalhar e quintas-feiras em que sai à tarde para caminhar com a esposa. Não é distribuição perfeita de horas. É um ritmo que funciona para ele. Essa perspectiva também tira o peso da glorificação das 80 horas. O executivo ressalta que alguns dos melhores performers que conhece trabalham 40 horas por semana, mas são extremamente eficientes. Harmonia, portanto, está menos ligada à quantidade de tempo e mais à qualidade do foco e ao alinhamento entre prioridades profissionais e pessoais. Quando trabalho e vida se alimentam, não se chocam Harley Finkelstein não está sozinho nessa mudança de vocabulário. Líderes como Satya Nadella, CEO da Microsoft, e Jeff Bezos, fundador da Amazon, também preferem falar em 'harmonia' em vez de 'equilíbrio'. Nadella diz que procura harmonizar aquilo de que realmente gosta com o seu trabalho, de forma que uma área da vida energize a outra. Bezos argumenta que a metáfora da balança é enganosa porque sugere um jogo de perde e ganha: se sobe um lado, o outro cai. Ele prefere pensar em um círculo em que estar bem em casa melhora o desempenho no trabalho, e vice-versa. Não se trata de escolher entre vida pessoal e carreira, e sim de desenhar um sistema em que uma fortaleça a outra. O que isso muda para líderes e equipes Trocar 'equilíbrio' por 'harmonia' não é só trocar palavras. Obriga líderes a olharem para a gestão de tempo e energia de um jeito mais honesto. Em vez de prometer um modelo idealizado, passa a fazer mais sentido discutir ciclos, acordos e ajustes finos: semanas mais intensas, seguidas de períodos de recuperação; momentos em que a empresa precisa mais da pessoa, seguidos de momentos em que a vida pessoal passa à frente. Também abre espaço para reconhecer que a alta performance não depende necessariamente de longas jornadas, e sim de clareza de prioridades e eficiência. Para quem lidera, a pergunta deixa de ser 'como controlar a agenda de todos' e passa a ser 'como criar um ambiente em que cada um encontre sua própria harmonia, sem sacrificar resultados'. No fim, a mensagem é direta: talvez o equilíbrio perfeito nunca venha. Mas construir uma harmonia possível, em que trabalho e vida se encaixem sem se destruírem, é uma ambição bem mais realista – e, para muita gente, o verdadeiro sinal de sucesso.