Postura cada vez mais agressiva do presidente norte-americano em relação a aliados históricos transformou viagens internacionais em experiências repletas de tensões A viagem de férias, por definição, deveria ser um momento de fuga da rotina e das preocupações. Mas, neste ano, turistas americanos estão descobrindo que não é tão fácil deixar a política para trás. A postura cada vez mais agressiva do presidente Donald Trump em relação a aliados históricos, como Canadá e países da União Europeia, transformou viagens internacionais em experiências repletas de constrangimentos, tensões e, às vezes, até represálias sutis. Foi o que viveu Jen Donahue, da Califórnia, durante uma visita a Whistler, no Canadá. Ao subir a montanha em uma gôndola, ela e o marido foram confrontados por uma canadense que os criticou abertamente pelas ações do governo dos EUA, cobrando até a compra de produtos locais como forma de reparação simbólica. Ao indicarem uma pista para esquiar, a mulher os enviou para um percurso 'terrível' — e o casal ficou com a suspeita de que não foi acidente. Clima de desconfiança cresce entre estrangeiros e americanos Donahue não foi a única a sentir o impacto. Diversos viajantes e expatriados relataram que estão sendo abordados com mais frequência sobre política e sentem um misto de curiosidade, crítica e até piedade por parte dos estrangeiros. O orgulho de carregar o passaporte americano parece, para muitos, ter se tornado um fardo. Leila Bulling Towne, que tem cidadania americana e irlandesa, disse estar repensando como se apresenta nas viagens. Em seus destinos planejados para México, Alemanha e Bélgica, pretende carregar ambos os passaportes. 'Antes, as críticas aos americanos eram sobre sermos barulhentos ou não respeitar culturas locais. Agora é algo mais profundo', afirmou. Queda nas reservas e tensão nas fronteiras Os dados confirmam a percepção de desconforto. Reservas de voos do Canadá e da Europa para os EUA caíram. Companhias aéreas como Air Canada e WestJet já reduziram rotas para cidades americanas. O temor em relação à segurança nas fronteiras e o endurecimento no controle migratório colaboram para afastar visitantes. Ao mesmo tempo, os próprios americanos parecem estar menos inclinados a viajar ao exterior. Uma análise da Cirium apontou uma queda de 12,6% nas reservas de voos dos EUA para a Europa no verão, em comparação com o ano passado. E mesmo aqueles que viajam se preparam para lidar com debates e constrangimentos que, antes, eram raros. Sentimento de vergonha substitui o de pertencimento Para Elizabeth Van Horne, professora americana que vive na França desde 2013, o sentimento predominante entre os locais é de decepção. 'Eles ficam com pena da gente, como se tivéssemos passado por um desastre natural', contou. Seus alunos, antes entusiasmados com a ideia de estudar ou trabalhar nos EUA, agora miram o Canadá, o Reino Unido ou a Austrália. O desconforto não é exclusivo da era Trump. Americanos já enfrentaram questionamentos durante o governo Bush, por conta das guerras no Oriente Médio, e até na gestão Biden, com críticas à política externa. Mas, segundo relatos de viajantes frequentes, a animosidade atual é mais intensa e generalizada. Viagem como espelho do momento geopolítico Para quem está fora do país, fica claro que a imagem dos EUA sofreu um desgaste expressivo. O turismo, que deveria ser uma pausa da realidade, tornou-se um lembrete constante do cenário político doméstico. Como definiu Tom Predhome, americano vivendo em Malta, a política dos EUA se tornou 'assunto natural' em qualquer roda de conversa. Com o verão se aproximando e o mundo mais dividido, turistas americanos terão que lidar com uma nova realidade: onde quer que estejam, levarão consigo não apenas seus passaportes, mas também o peso da reputação internacional de seu país.