A transformação digital, uma das forças mais significativas do mundo do trabalho contemporâneo, poderia ser utilizada para auxiliar profissionais com demência a permanecerem produtivos Apesar dos avanços nas políticas de inclusão e do envelhecimento crescente das populações, pessoas diagnosticadas com demência enquanto ainda estão ativas profissionalmente enfrentam, na maioria dos casos, uma saída precoce e não desejada do mercado de trabalho. Estima-se que cerca de 9% dos 55 milhões de pessoas com demência no mundo tenham menos de 65 anos, o que equivale a aproximadamente 370 mil novos casos de demência de início precoce por ano. Mesmo diante de compromissos governamentais e empresariais para prolongar a vida laboral, os trabalhadores com demência continuam sendo amplamente ignorados. Casos de afastamentos temporários que se tornam aposentadorias antecipadas são frequentes, refletindo a ausência de estratégias claras de manutenção desses profissionais em ambientes corporativos. Potencial digital ainda pouco explorado A transformação digital, uma das forças mais significativas do mundo do trabalho contemporâneo, poderia ser utilizada para auxiliar profissionais com demência a permanecerem produtivos. No entanto, ainda prevalece a visão de que a tecnologia serve apenas como ferramenta de cuidado, e não como apoio ao trabalho. Pessoas com demência frequentemente fazem uso cotidiano de tecnologias digitais, como assistentes de voz e aplicativos de navegação, que poderiam ser adaptados para fins profissionais. Ferramentas comuns, como agendas digitais e geolocalização, podem ser cruciais para facilitar rotinas e compensar dificuldades cognitivas. Além disso, tecnologias de inteligência artificial generativa, como o ChatGPT, oferecem soluções promissoras. Essas ferramentas são capazes de prever palavras e reformular textos, podendo transformar documentos complexos em versões mais acessíveis, com frases curtas e vocabulário simplificado — características recomendadas para materiais amigáveis a pessoas com demência. Ambientes adaptáveis são o caminho Com a diversificação dos sintomas da demência, que vão além da perda de memória, soluções personalizadas devem ser priorizadas. Assistentes de voz, por exemplo, podem substituir interfaces de toque, que costumam ser desafiadoras para usuários mais velhos. Para que isso se torne realidade, é fundamental que empresas desenvolvam estratégias proativas, idealmente em conjunto com os próprios trabalhadores diagnosticados. Essas estratégias poderiam funcionar como um conjunto de ferramentas personalizáveis, selecionadas de acordo com as necessidades individuais. Ausência de políticas estruturadas ainda é obstáculo Atualmente, poucas organizações possuem políticas específicas para apoiar empregados com demência. No entanto, muitas já implementam ajustes razoáveis para outras condições, como transtornos mentais. Esses modelos poderiam ser replicados e adaptados para incluir trabalhadores com demência, de forma prática e efetiva. O governo do Reino Unido, por exemplo, vem promovendo duas agendas paralelas: ampliar a participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e expandir o uso da inteligência artificial no país. O cruzamento dessas pautas pode representar uma oportunidade concreta para tornar o ambiente profissional mais inclusivo. A adoção de soluções digitais adaptadas, aliada à escuta ativa e à personalização do suporte, pode permitir que pessoas com demência continuem contribuindo com suas experiências e habilidades. O desafio está em transformar o discurso de inclusão em ações reais e estruturadas no ambiente de trabalho.