Estudo sugere que organizações que adotam IA devem pensar desde já em requalificação e treinamento para maximizar os ganhos e reduzir perdas desnecessárias A inteligência artificial é tratada como uma virada histórica, mas, na prática, ela se encaixa numa sequência conhecida de ondas de automação que reconfiguram empresas, carreiras e expectativas. Antes do ChatGPT e dos sistemas generativos, a manufatura viveu algo parecido com a chegada das máquinas CNC, ferramentas computadorizadas que automatizaram partes críticas da produção industrial entre os anos 1970 e 2010. Olhar para esse passado ajuda a entender como o mercado pode reagir ao presente. Segundo pesquisadores de Yale e Brandeis, que analisaram décadas de dados de adoção de CNC na indústria metalúrgica, o impacto foi duplo. Por um lado, a produtividade do trabalho subiu 7 por cento. Por outro, o emprego na produção caiu 12 por cento, com perdas concentradas em trabalhadores de qualificação intermediária, especialmente em ambientes sem proteção sindical e com escolaridade limitada ao ensino médio. Aprendizado histórico sobre quem ganha e quem perde O padrão observado foi claro: enquanto a tecnologia aumentava eficiência, ela também reduzia a demanda por tarefas rotineiras. O trecho mais vulnerável da força de trabalho foi o de não sindicalizados e trabalhadores com até ensino médio. Para quem tinha menos educação formal, o choque foi ainda mais forte. O estudo relata uma queda de 24 por cento no emprego de pessoas sem ensino médio concluído. Já entre graduados universitários, houve aumento de 17 por cento nas posições. Esse deslocamento não aconteceu do nada. O CNC exigia novas capacidades, incluindo operação de máquinas avançadas e programação. Em paralelo, programas universitários focados nessas competências viram um salto nas matrículas. Ou seja, a tecnologia eliminou ocupações, mas também criou caminhos para quem conseguiu se requalificar. Ver todos os stories 6 hábitos que sabotam seu crescimento O nordestino que ousou fazer o impossível O que está em jogo com a 'PEC da Blindagem' Uma verdade sobre suas assinaturas de streaming que você não vê Boninho, The Voice e a lição da reinvenção O preço real da adaptação Apesar do aumento de postos para perfis mais escolarizados, a transição não foi suave. O economista David Clingingsmith, coautor do artigo, aponta que a mudança não foi indolor porque, ao perderem bons empregos, muitos trabalhadores migraram para setores com piores trajetórias de renda e estabilidade. Parte dos deslocados saiu do metal para atividades não metálicas ou para o varejo. Mesmo quando a pessoa se adaptava, ela nem sempre recuperava o nível anterior de carreira. Esse detalhe é crucial para o debate atual sobre IA. A sociedade tende a olhar ganhos médios de produtividade e supor que todos chegam ao mesmo destino. A história mostra que a rota é desigual. Por que isso importa para a era da IA O CNC afetou sobretudo a base industrial. A IA, segundo o próprio estudo, pode atingir também ocupações de escritório, inclusive as de maior escolaridade em áreas como direito, finanças e serviços. Isso muda o tamanho do efeito potencial, já que a automação não fica restrita a tarefas manuais de entrada. Há sinais iniciais desse movimento na dificuldade crescente de recém-formados entrarem no mercado em funções antes consideradas seguras. Num cenário assim, o aprendizado estratégico é simples: tecnologia sem plano de adaptação amplia a fratura interna das empresas. Produtividade sobe, mas confiança e permanência caem. O que líderes podem fazer agora O estudo sugere que organizações que adotam IA devem pensar desde já em requalificação e treinamento para maximizar os ganhos e reduzir perdas desnecessárias. Se o CNC criou uma corrida por novas habilidades na indústria, a IA tende a gerar uma corrida semelhante em setores muito mais amplos. Para empresas em expansão, isso significa tratar capacitação como parte do investimento em tecnologia. Ao preparar o time para usar as ferramentas, a companhia aumenta a chance de capturar eficiência real, reduzir turnover e evitar que a automação vire um processo de substituição silenciosa que enfraquece a cultura. A história do CNC mostra que o futuro do trabalho não é um salto automático. É uma escolha guiada por como se treina, se protege e se reposiciona gente de verdade.