Em tempos de produtividade performática, onde estar sempre ocupado parece um valor em si, reconhecer o valor do ócio criativo é quase um ato de coragem corporativa Imagine a cena: um colaborador olha fixamente pela janela, perdido em pensamentos. Em muitas empresas, essa imagem ainda é vista como sinônimo de improdutividade. No entanto, a ciência vem derrubando essa crença com dados surpreendentes: sonhar acordado pode ser não só benéfico para o bem-estar, mas também essencial para a criatividade e a produtividade no trabalho. Segundo uma análise publicada na Harvard Business Review, conduzida pelas professoras canadenses Zhanna Lyubykh e Duygu Biricik Gulseren, pequenas pausas cognitivas – como momentos de devaneio – são fundamentais para recarregar a energia mental. Ignorar esse processo pode desencadear um ciclo negativo: o colaborador tenta render sem recursos mentais, comete erros e acumula tarefas, agravando ainda mais a exaustão. Devaneios: um aliado contra a dor e o estresse Embora seja comum associar devaneios a escapismo ou tédio, estudos mostram que eles funcionam como um importante mecanismo de enfrentamento. Pesquisas em neurociência revelam que permitir que a mente vagueie aumenta nossa tolerância à dor e à adversidade. Em momentos difíceis, imaginar possibilidades futuras ajuda a fortalecer a resiliência emocional. Além disso, o estado de meia atenção típico dos devaneios facilita conexões inesperadas e insights criativos. Isso explica por que tantas boas ideias surgem durante caminhadas ou no banho – são momentos em que a mente não está ocupada com tarefas específicas, mas também não está completamente desligada. O poder das pausas genuínas O estudo de Lyubykh e Gulseren revisou mais de 80 pesquisas sobre pausas no ambiente de trabalho e apontou um fator crucial: não basta apenas parar de trabalhar, é preciso desconectar-se de verdade. Ou seja, ficar longe da tela, mudar de ambiente e deixar o pensamento fluir livremente são práticas que potencializam a recuperação cognitiva e o desempenho posterior. Nesse sentido, as pausas com devaneios se mostram especialmente eficazes. Elas não demandam muito tempo, recursos ou estrutura, mas oferecem um retorno significativo em clareza mental e energia. Espaços que incentivam a criatividade Se devaneios são tão benéficos, por que não projetar o ambiente de trabalho para acolhê-los? A sugestão pode parecer ousada, mas tem fundamento. Como explica Laura Mae Martin, coach de produtividade do Google, nosso cérebro associa ambientes específicos a estados mentais específicos. Um espaço confortável, silencioso e visualmente agradável pode acionar o modo criativo e relaxado com muito mais facilidade do que a típica mesa de escritório. Criar um “canto do devaneio” pode ser simples: algumas almofadas, plantas, luz natural, livros ou objetos artísticos. Mais do que decoração, trata-se de enviar um sinal claro à equipe de que a pausa reflexiva é valorizada tanto quanto o foco intenso. Menos teatro da produtividade, mais humanidade Em tempos de produtividade performática, onde estar sempre ocupado parece um valor em si, reconhecer o valor do ócio criativo é quase um ato de coragem corporativa. Permitir – e até estimular – momentos de devaneio é, na prática, investir em sanidade, inovação e resultados mais sustentáveis. A pergunta que fica é: sua empresa está pronta para sonhar acordada?