Em um recente episódio do podcast de sua firma, Marc Andreessen afirmou que o trabalho do investidor de risco é, literalmente, 'atemporal' Marc Andreessen, cofundador da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz (a16z) e figura lendária do Vale do Silício, é um dos defensores mais fervorosos da inteligência artificial como força transformadora da humanidade. Entretanto, apesar de descrever o potencial da IA como “a Pedra Filosofal” dos tempos modernos, Andreessen acredita que há uma atividade que nenhuma tecnologia será capaz de substituir: a sua própria. Em um recente episódio do podcast de sua firma, Andreessen afirmou que o trabalho do investidor de risco é, literalmente, 'atemporal'. Na sua visão, mesmo em um futuro dominado por máquinas, a atuação de um venture capitalist continuará essencial. O motivo? O julgamento humano, segundo ele, é insubstituível em ambientes de risco e incerteza. Para reforçar o argumento, Andreessen citou exemplos históricos como editores de livros, produtores de cinema e olheiros da indústria musical, profissões que, segundo ele, exigem sensibilidade e intuição — características que as máquinas ainda não conseguem replicar com precisão. 'Você não está apenas financiando. Você está acompanhando e executando o projeto inteiro com o empreendedor. Isso é arte, não ciência', declarou. Contradições e críticas ao argumento A defesa apaixonada de Andreessen por seu próprio ofício como insubstituível levanta uma série de contradições, inclusive dentro de sua própria lógica. O investidor já afirmou, em outras ocasiões, que a IA pode salvar a comédia e criar arte. Contudo, ao mesmo tempo, defende que o “tipo de arte” que é o trabalho de um investidor de risco está fora do alcance dos algoritmos. Essa visão também ignora mudanças recentes no próprio comportamento corporativo. Uma pesquisa da SAP com executivos de grandes empresas revelou que 75% já consideram os conselhos de IA melhores do que os de colegas e amigos, e 38% confiam em algoritmos para tomar decisões de negócios. Além disso, o retrato idealizado que Andreessen faz do capital de risco difere da realidade observada. Estudos mostram que o setor ainda funciona como um clube fechado, onde decisões de investimento seguem padrões históricos e favorecem perfis já conhecidos — majoritariamente homens brancos com passagens anteriores por startups do mesmo círculo de contatos. Para críticos, esse é exatamente o tipo de viés que uma IA bem treinada poderia ajudar a corrigir. A função de gatekeeper No cerne da argumentação de Andreessen está uma função que vai além da de investidor: a de gatekeeper, ou guardião do acesso. Seu papel não se limita a alocar capital, mas a decidir quem terá a oportunidade de transformar ideias em negócios. Uma IA, treinada com dados de decisões passadas e métricas de sucesso reais, poderia redefinir os critérios de entrada — talvez priorizando diversidade, impacto social ou inovação de fato. Se isso ocorrer, o próprio modelo de negócio que Andreessen representa poderia ser desafiado. Afinal, uma IA que seleciona com base em mérito e impacto coletivo ameaça diretamente o papel histórico do investidor de risco como curador da próxima grande ideia. Entre o mito da insubstituibilidade e a realidade da automação Ao insistir que a IA jamais fará seu trabalho, Andreessen ecoa o discurso de muitas profissões que acabaram automatizadas ao longo da história, mesmo que os substitutos não tenham oferecido produtos superiores. A qualidade do resultado, no fim, muitas vezes é menos relevante do que a eficiência ou a escala proporcionada pela tecnologia. Caso esteja certo ao afirmar que sua função exige julgamento humano, Andreessen talvez esteja investindo na promessa errada. Mas, se estiver errado — e a IA for capaz de substituir parte de seu trabalho com decisões mais objetivas e menos enviesadas —, talvez o modelo de capital de risco esteja prestes a passar por uma transformação profunda. No fim das contas, o que Andreessen parece temer não é que a IA o substitua, mas que ela substitua o poder de decisão que historicamente esteve em mãos como as dele. E, nesse aspecto, talvez ele tenha razão: nenhuma máquina assumirá esse papel sem uma ruptura antes acontecer.