Com a inadimplência em alta e os juros pressionando o consumo, o brasileiro precisa aprender a lidar com o crédito com estratégia, disciplina e realismo O endividamento virou rotina para boa parte dos brasileiros. Com os juros nas alturas e o orçamento cada vez mais apertado, muitos consumidores enfrentam dificuldades para manter as contas em dia — e acabam inadimplentes por longos períodos. Segundo pesquisa publicada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com a Offerwise Pesquisas, os principais vilões da inadimplência no país são o cartão de crédito (23%), os empréstimos com bancos ou financeiras (16%) e o crediário (12%). O levantamento foi feito com consumidores inadimplentes há mais de três meses, de todas as capitais brasileiras. Cartão de crédito lidera entre contas vencidas e em risco Além de encabeçar a lista de dívidas que já geraram inadimplência, o cartão de crédito também aparece como a conta mais frequentemente em atraso, mesmo entre consumidores que ainda não foram negativados. Segundo o estudo, 15% dos entrevistados estão com a fatura atrasada. Na sequência aparecem contas de água e luz (10%) e o cheque especial (9%), com maior incidência nas classes A e B. A combinação de facilidade de acesso ao crédito com altas taxas de juros torna o cartão um risco constante. Para o presidente da CNDL, José César da Costa, o momento exige atenção redobrada: 'Na hora de negociar uma dívida, é importante ter um planejamento realista. Já ao contratar um crédito, é fundamental considerar todas as taxas envolvidas. Em geral, os créditos mais fáceis de conseguir são os que têm os juros mais caros'. Serviços essenciais são prioridade absoluta Apesar das dificuldades, consumidores inadimplentes demonstram uma clara hierarquia na hora de quitar dívidas. A pesquisa mostra que as contas de uso diário e que podem ter o serviço interrompido são priorizadas: 73% pagam a internet em dia, 68% mantêm as contas de água e luz regularizadas e 65% honram o pagamento do telefone. TV por assinatura (59%) e plano de saúde (48%) aparecem na sequência. Essas prioridades refletem também os compromissos financeiros mais assumidos pelos entrevistados: contas de água e luz (86%), cartão de crédito (85%), internet (84%), telefone (80%) e TV por assinatura (67%). Dívidas que se arrastam por mais tempo O levantamento também revela quais contas costumam acumular mais tempo de atraso. Parcelas em cheques pré-datados e dívidas educacionais (como mensalidades de escolas, faculdades ou FIES) lideram, com média de 15 meses de inadimplência. Condomínio, crediário e empréstimos também apresentam longos períodos sem pagamento — cerca de 11 a 13 meses. Por outro lado, contas como telefone, financiamento imobiliário e de veículos têm um tempo médio de atraso menor, de aproximadamente seis meses. Esse dado indica que, quando o bem ou serviço está diretamente ligado à moradia, mobilidade ou comunicação, o consumidor tende a priorizar a regularização. Educação financeira como ferramenta de sobrevivência Para Merula Borges, especialista em finanças da CNDL, o controle de gastos é indispensável em tempos de incerteza econômica. 'Telefone e internet se tornaram essenciais até para a vida profissional. Por isso, é fundamental que o consumidor faça um planejamento mensal, incluindo gastos extras, e tenha uma visão clara do quanto pode gastar', afirma. Mais do que nunca, a educação financeira deixou de ser apenas um diferencial: virou uma questão de sobrevivência. Com a inadimplência em alta e os juros pressionando o consumo, o brasileiro precisa aprender a lidar com o crédito com estratégia, disciplina e realismo. Afinal, a conta sempre chega — e o corte de serviços essenciais pode custar muito mais do que se imagina.