A licença parental precoce nos EUA não é só uma anomalia social. É um fator que compromete saúde, produtividade e dignidade A distância entre o discurso sobre família e a prática do mercado de trabalho americano nunca foi tão visível. Enquanto grande parte do mundo desenvolvido trata a chegada de um filho como um período que exige proteção social, nos Estados Unidos a volta precoce ao trabalho ainda é rotina. Em países europeus, três meses de licença são o mínimo esperado e períodos de um ano não são raros. Do outro lado do Atlântico, a normalização do retorno em poucas semanas revela uma falha sistêmica que o país se habituou a tolerar. Um novo estudo da Universidade de Nebraska, apoiado por dados da Social Security Administration e da American Community Survey, detalhou o que muitos já intuíram, mas talvez não tenham dimensionado. A economista Emily Oster, ao analisar os resultados no ParentData, destacou números que chocam até padrões americanos: um quarto das mães empregadas volta ao trabalho na terceira semana após o parto; pais tiram, em média, três dias de licença. Em doze semanas, quase todos já retomaram a rotina profissional. O que os números mostram na prática A frieza estatística fica mais dura quando traduzida para a realidade física e emocional do pós-parto. Três semanas após o nascimento, o bebê acorda a cada poucas horas, dia e noite. A exaustão é regra, não exceção. Mulheres que tiveram parto normal ainda estão se recuperando, com sangramento e dores típicas do período. Quem passou por cesariana enfrenta a recuperação de uma cirurgia abdominal de grande porte. Oscilações hormonais, insegurança e adaptação intensa fazem parte do pacote. O cenário é simples: nesse estágio, quase nenhum cuidador está em condições reais de trabalhar como se nada tivesse acontecido. A volta não ocorre por escolha, mas por falta de suporte. O estudo sugere que o problema vai além do desconforto individual. Há um descompasso entre o que o corpo e a família precisam e o que a estrutura legal permite. Ver todos os stories 6 hábitos que sabotam seu crescimento O nordestino que ousou fazer o impossível O que está em jogo com a 'PEC da Blindagem' Uma verdade sobre suas assinaturas de streaming que você não vê Boninho, The Voice e a lição da reinvenção Por que o governo não resolve sozinho Oster aponta que parte das famílias nem usa toda a licença disponível, seja por desconhecimento, seja por barreiras burocráticas. Facilitar acesso e comunicação já teria impacto imediato. Mas o eixo central permanece político. Tentativas federais de expandir licença paga não avançaram, o que desloca a responsabilidade para estados e empresas. Hoje, 13 estados oferecem algum tipo de licença remunerada. Nesses lugares, os pais tiram mais tempo de folga, ainda que bem abaixo do padrão europeu. O dado mais relevante é o sinal de viabilidade: onde existe política pública, o comportamento muda. O papel das empresas nessa transição Enquanto o país não cria uma solução nacional, empreendedores e líderes têm margem concreta para agir. A medida mais direta é cultural: deixar explícito que a licença é um direito esperado e legítimo, não uma concessão constrangedora. Quando a liderança trata o tema como padrão, o medo de retaliação diminui e o uso da licença aumenta. A preocupação com impacto operacional é compreensível, sobretudo em negócios menores. Ainda assim, a experiência descrita na Califórnia relativiza o temor. Antes de uma política estadual de até oito semanas remuneradas, 63% das pequenas empresas apoiavam a ideia. Depois de conviver com o programa, esse número subiu para 71%. Ou seja, a realidade mostrou menos ruptura do que o imaginário previa. No fim, a licença parental precoce nos EUA não é só uma anomalia social. É um fator que compromete saúde, produtividade e dignidade. O estudo joga luz sobre um problema que já não cabe em justificativas históricas. Se a política nacional anda devagar, empresas que se antecipam podem ser parte da solução. E isso não é apenas ética, é também gestão inteligente de gente.