Produtividade não é quantidade de frentes abertas. É a capacidade de fechar ciclos com qualidade A multitarefa virou elogio corporativo. Gente 'boa' é aquela que responde mensagens enquanto participa de reunião, revisa um documento no meio de uma call e toca três projetos na mesma manhã. Parece eficiência, mas costuma ser um sinal de outra coisa: ansiedade por controle. A promessa da multitarefa é simples. Você faz mais coisas ao mesmo tempo e entrega mais rápido. A realidade, porém, é quase sempre oposta. O trabalho fragmentado produz decisões piores, cansaço maior e uma sensação constante de que nada termina de verdade. A alternância rápida entre tarefas reduz a capacidade de foco e aumenta o tempo total para concluir entregas complexas. O cérebro paga um custo cognitivo cada vez que muda de contexto. Essa energia perdida não aparece na agenda, mas aparece na qualidade final. O cérebro não executa paralelo, ele troca rápido O que chamamos de multitarefa, na prática, é troca de foco acelerada. Você não faz duas coisas ao mesmo tempo. Você salta entre elas, perdendo um pouco de contexto a cada salto. Em tarefas simples, isso parece inofensivo. Em tarefas estratégicas, vira um buraco. O profissional termina o dia ocupado, mas não sente progresso real. É como correr em uma esteira mental. Esse hábito é reforçado pelo modo como as empresas operam. Ambientes de urgência crônica colocam o time em estado de alerta permanente. E alerta permanente pede reação, não profundidade. A multitarefa vira uma forma de sobreviver ao barulho. Só que sobreviver não é o mesmo que performar bem. A ansiedade por controle disfarçada de produtividade Há um componente emocional decisivo nisso. Multitarefa raramente nasce de escolha estratégica. Ela nasce do desconforto de deixar algo esperando. Você vê uma notificação e sente que precisa resolver para aliviar a tensão. Vê uma nova demanda e assume antes de terminar a anterior porque teme perder timing. O resultado é um ciclo de microalívios que parece produtividade, mas é apenas gestão de ansiedade. Com o tempo, isso altera a relação com o trabalho. A pessoa deixa de priorizar pelo impacto e passa a priorizar pelo alívio. Responde o que chega primeiro, faz o que grita mais alto e adia o que exige continuidade. Não porque é incapaz, mas porque o cérebro cansado evita esforço prolongado. O custo invisível para equipes e negócios Em nível coletivo, multitarefa vira cultura de interrupção. Reuniões se tornam mais longas porque ninguém está totalmente presente. Projetos avançam mais devagar porque decisões precisam ser revisitadas. A comunicação fica mais seca, porque a mente dispersa tem menos paciência para nuance. E, sem perceber, a empresa começa a confundir velocidade de resposta com avanço real. Além disso, o hábito aumenta o risco de erro. Quanto mais fragmentado o foco, mais fácil esquecer detalhes importantes, repetir etapas ou tomar decisões precipitadas. E aí o time tenta compensar com mais controle, mais reunião e mais urgência. O ciclo se fecha: a falta de foco gera mais barulho, que gera mais falta de foco. Como recuperar foco sem virar rígido A saída não é se isolar do mundo nem fingir que a empresa não tem pressa. É criar critérios emocionais e práticos para o foco. Um gesto simples é trabalhar por blocos. Em vez de diluir uma tarefa ao longo do dia, reservar janelas curtas para concluí-la com continuidade. Isso reduz o custo de reentrada no contexto. Outro passo é definir o que é resposta imediata e o que pode esperar. Nem toda notificação merece urgência. Quando você decide isso de forma consciente, tira a emoção do piloto automático. A mente se acalma porque sabe que existe um sistema, não apenas reação. Líderes também têm papel central. Times só conseguem focar quando o ambiente permite. Se a cultura premia quem está sempre disponível, ninguém protege atenção. Quando a liderança deixa claro que foco profundo é prioridade, o time reorganiza o ritmo sem culpa. Fazer menos ao mesmo tempo é entregar mais A multitarefa promete controle, mas entrega dispersão. Ela oferece a sensação de que você está dando conta, mas cobra o preço em clareza, energia e consistência. Quando você reduz a fragmentação, não vira mais lento. Vira mais preciso. E precisão é o que sustenta produtividade de verdade no longo prazo. No fim, produtividade não é quantidade de frentes abertas. É a capacidade de fechar ciclos com qualidade. E isso só acontece quando o foco volta a ser protegido como aquilo que ele realmente é: o recurso mais valioso do trabalho moderno.