Segundo a pesquisa, essas atividades, difundidas como porta de entrada para o empreendedorismo, são geralmente acessadas por uma parcela privilegiada da juventude Nos últimos anos, o discurso popular — amplamente disseminado por influenciadores digitais — tem vendido a ideia de que um side hustle (atividade empreendedora paralela ao trabalho principal) é o caminho mais curto entre jovens e a vida dos sonhos. No entanto, um novo estudo conduzido na Austrália coloca essa narrativa em perspectiva e revela que, na prática, os side hustles oferecem mais realização pessoal do que retorno financeiro imediato. A pesquisa, intitulada Side Hustles: How Young People Are Redefining Work, apresenta dados do primeiro ano de um estudo de três anos conduzido com jovens de 18 a 34 anos. Foram ouvidos 1.497 participantes com side hustles e 68 entrevistas aprofundadas foram realizadas. A principal conclusão é que essas atividades, apesar de difundidas como porta de entrada para o empreendedorismo, são geralmente acessadas por uma parcela privilegiada da juventude. Perfil dos side hustlers Contrariando a ideia de que o side hustle surge da necessidade, o levantamento mostra que a maioria dos praticantes é formada por jovens com ensino superior e boa estabilidade financeira. Isso porque empreender, ainda que em pequena escala, demanda capital inicial, envolve riscos e, muitas vezes, não é lucrativo. Os rendimentos médios por hora dessas atividades são cerca de 50% menores do que os recebidos no emprego principal e inferiores aos do setor de varejo ou hospitalidade. Entre os side hustles mais comuns, destacam-se a venda de produtos (42,9%), a prestação de serviços diversos como jardinagem ou mudanças (29,2%), a criação de conteúdo digital (16,5%) e trabalhos criativos como fotografia e design (11,3%). Motivações e expectativas Apesar do retorno financeiro modesto, a maioria dos entrevistados afirmou estar satisfeita com sua atividade paralela. A principal motivação relatada foi o prazer e o interesse pessoal, seguido da possibilidade de obter uma renda extra de forma autônoma e flexível. Para muitos, trata-se mais de um passatempo lucrativo do que uma fonte de renda essencial. As declarações dos participantes sugerem que essas atividades são vistas como uma forma de equilibrar a vida profissional tradicional com algo que gere satisfação pessoal. Poucos demonstraram interesse em transformar o side hustle em um negócio maior ou em uma alternativa de carreira de longo prazo. Produtividade como estilo de vida O estudo também destaca uma tendência crescente entre os jovens de transformar o tempo livre em momentos de produção. Muitos relataram sentir culpa por períodos de lazer sem retorno financeiro, evidenciando uma pressão internaizada de que todo o tempo precisa ser 'produtivo'. Ao mesmo tempo, muitos não consideram o side hustle como trabalho, mesmo quando as tarefas realizadas são semelhantes às de um emprego tradicional. Essa dualidade reflete uma mudança nas fronteiras entre trabalho e lazer. Se por um lado essas atividades trazem liberdade e realização pessoal, por outro também estendem a lógica do trabalho para esferas que antes eram dedicadas exclusivamente ao descanso e à vida pessoal. Novo olhar sobre o trabalho A pesquisa sugere que, embora os side hustles não representem uma solução para o desemprego juvenil ou um caminho confiável para a independência financeira, eles evidenciam transformações importantes na forma como os jovens encaram o trabalho. Mais do que retorno monetário, o que se busca é equilíbrio, autonomia e propósito. E, nesse contexto, o side hustle é menos uma escada para o sucesso e mais um reflexo da reinvenção das relações com o trabalho.