Quando líderes abrem mão da necessidade de reconhecimento e passam a dividir o protagonismo, a verdadeira transformação finalmente acontece Quando um projeto de mudança trava, muitos líderes culpam a resistência dos funcionários. Mas, segundo David M. Sluss, professor da ESSEC Business School, o verdadeiro problema costuma estar em outro lugar: o complexo de herói. É a tendência de o líder se ver como o protagonista da transformação — alguém que precisa ter todas as respostas, conduzir tudo sozinho e colher o crédito pelo sucesso. Essa postura gera um efeito colateral perigoso: o líder para de ouvir, interpreta feedbacks como ataques pessoais e perde a capacidade de enxergar o que o negócio realmente precisa para evoluir. Sluss propõe três estratégias práticas para escapar dessa armadilha e conduzir mudanças de forma mais inteligente e colaborativa. 1. Monte uma coalizão de especialistas no problema — não de fãs da solução A maioria dos líderes forma alianças depois de decidir o que fazer. Isso é um erro. Os líderes mais eficazes montam uma coalizão logo no início — com pessoas que entendem o problema em profundidade, não apenas aquelas que apoiam a solução proposta. Sluss identifica quatro papéis essenciais: Tecnologistas: compreendem o desafio técnico com profundidade. Evangelistas: conhecem o terreno político e cultural da organização. Analistas: antecipam resistências e ajudam a transformá-las em aprendizado. Patrocinadores: detêm recursos e poder para remover obstáculos. Um exemplo citado por Sluss vem de uma empresa de dispositivos médicos que, ao montar uma equipe bicontinental para lidar com barreiras regulatórias, evitou atrasos milionários e entregou resultados mais rápidos — justamente por ter reunido quem conhecia o problema de perto. Ver todos os stories 6 hábitos que sabotam seu crescimento O nordestino que ousou fazer o impossível O que está em jogo com a PEC da Blindagem Uma verdade sobre suas assinaturas de streaming que você não vê Boninho, The Voice e a lição da reinvenção 2. Conte a história do problema — não apenas a visão Muitos líderes se concentram em vender a visão, mas esquecem de explicar a dor que a originou. Em uma empresa de tecnologia financeira, o discurso sobre ser digital-first falhou até que o líder revelou o verdadeiro problema: a falta de feedbacks dos clientes asiáticos, que estava comprometendo o produto. O que engajou as pessoas não foi o plano de mudança — foi entender o porquê da mudança. Sluss recomenda compartilhar a história de origem do problema: Como ele foi descoberto? Por que é relevante? Que oportunidades se abrem ao resolvê-lo? Uma empresa de telecomunicações, por exemplo, usou IA generativa para visualizar falhas em seu processo de atendimento ao cliente. Ao enxergar o problema de forma concreta, a equipe encontrou soluções que antes pareciam invisíveis. 3. Pare de tentar mudar a cultura — alinhe-se a ela Nem toda transformação exige reescrever a cultura organizacional. Às vezes, o caminho mais eficaz é mostrar como a mudança reforça valores que a empresa já valoriza. Sluss conta o caso de uma companhia do setor de energia que precisava reduzir emissões, mas esbarrava em uma cultura fortemente competitiva, voltada para resultados comerciais. Em vez de impor uma revolução cultural, os líderes reformularam a iniciativa: apresentaram a adoção de veículos elétricos como uma vantagem competitiva e uma forma de economizar custos. Quando surgiram preocupações com o impacto financeiro, o cronograma foi ajustado. O resultado? A mudança avançou — sem precisar lutar contra a cultura existente. O ponto central Liderar transformações não é ser o herói que salva a empresa, mas criar um time de heróis — pessoas que compreendem o problema, compartilham a responsabilidade e agem em sintonia com o propósito e a cultura do negócio. Quando líderes abrem mão da necessidade de reconhecimento e passam a dividir o protagonismo, a verdadeira transformação finalmente acontece.